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Crônica, política e derivações

87%

Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

Não recomendo. Foi torturante, mas tive que ver. A votação de ontem terminou de madrugada. Hoje a tortura mental, impassível, prossegue na TV Câmara. O problema central ainda é a manipulação montada na linguagem. Trata-se de um técnica que se expandiu pela nação. Independentemente da análise do resultado, pois anteontem o ministro não interferiu na votação da redução da maioridade, insinuando que a votação abarrotaria presídios já abarrotados?. O representante do psol não vaticinou lá pelas 23:17 que se o "estado não protege, não pode punir"? E o outro não complementou com "sou solidário com as vítimas, tanto quanto às vitimas que cometeram estes crimes"? E, enfim, mais alguma voz da base: "lembrem-se, nem sempre o povo sabe escolher o que é justo", involuntária alusão à famosa frase de Pelé durante a ditadura de que o "povo não está preparado para votar". O que se nota é que a discussão que se arrasta desde 1993 não é só anacrônica e inoportuna, ela é, no fundo, recheada pela disputa entre dois partidos.

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Sob o calor do clamor dos 87% a favor da redução da maioridade e sob a sombra dos míseros 9% de aprovação da presidente, a discussão -- que acusava o tempo todo o senso comum como mau conselheiro em matérias legislativas -- não passou exatamente de exposição de sensos comuns e chavões revestidos de estatísticas contraditórias. Chamava a atenção a pobreza absoluta do debate argumental, que se limitava a "se aqui estivéssemos", "se a educação prevalecesse", se "o governo fosse outro". A inoperância nostálgica induziu uma paralisia crônica. Aparando os figurinos, a dicotomia entre PT e PSDB parece ter determinado ao parlamento a aniquilação de requisitos básicos como racionalidade e estudo.

Ainda assim, o partido do poder têm sido o grande responsável pela obstrução de tudo que se refere à modernização dos costumes. Durante décadas obstruiu a atualização do ECA, suprimiu o orçamento da segurança pública, relegou a educação à undécima prioridade. O partido, que sempre se perdeu no timing, paga pela inércia, e, sobretudo, pelo oportunismo. Quanto às "manobras" prova apenas uma fração do veneno que semeou. Agora, em pleno incêndio, resolveu dialogar e se mostra artificialmente indignado sob o lema cabotino "por que tanto ódio?". Ódio é uma coisa, desejo furioso por justiça é outra.

Percebe-se que o parlamento não está de fato interessado nos temas que afligem os jovens, nem em esmiuçar as raízes da guerra civil ou examinar formas de controle da violência. A impressão que dá é que os dogmas, sob desfile de cláusulas pétreas, tenham que ser repetidos à exaustão para que eles mesmos se convençam de que sabem sobre o que estão falando. No final, consegui formular um voto heterodoxo:  a favor do aumento da maioridade mental, mas só para cinismos hediondos.

http://brasil.estadao.com.br/blogs/conto-de-noticia/87/

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