--Simplesmente brilhante, se não fosse quem é chamaria de genial.
--Ele é que não gostou nem um pouco.
--Está exilado?
--É o que dizem: discípulo supera o mestre.
--Isso não é ingratidão?
--Desde quando gratidão deve ser obrigação?
-- Já soube dos últimos apoios? Gente decente.
--Você não viu o último Ibope?
--Doze pontos e em alta, sabe o que significa?
--Conseguiu virar.
-- Fato, virou mesmo.
--Rompeu com o partido e ainda teve a coragem de fazer o rapa. Cortou, demitiu. Despachou os fisiológicos de mala e cuia.
-- E ainda assim conseguiu reverter? Como pode? Totalmente inesperado. Não entendo. Se era tão simples, por que ela não gritou independência antes?
--Por que? Está de brincadeira? Você conhece bem esse Partido?
--Se conheço? Credo, já fiz parte.
--Pois é.
--E todos aqueles notáveis que toparam na hora participar do governo interino? Esse foi o verdadeiro milagre. Quem poderia imaginá-la como Estadista?
-- Milagre, essa é a palavra, mas foi a sequência toda, a coisa toda.
-- Intrigante. Me pergunto como fez tudo isso sozinha? E a outra surpresa então? O discurso foi voltando ao normal, nenhuma maravilha claro, só o normal dela.
--Você foi falando e me veio a luz. A impressão é que ela voltou a pensar. Vai ver que foi depois de escrever a cartinha de renúncia, sei lá um efeito paradoxal.
--Foi ditada?
--Ele, pessoalmente!
--Ouvi dizer que ela rasgou no dia seguinte.
--Na frente dele.
--Quem diria? Depois explodiu e falou tudo na lata, daquele jeitinho delicado dela.
-- E Ele?
--Ficou pálido, tentou reagir, foi então que ela chamou a segurança e colocou ele para correr, berrando para não se meter mais com ela.
--Que cena. Você estava na sala?
--Daria tudo para ver. A copeira espalhou a notícia.
--Acho que foi desde lá que a coisa mudou de figura.
--Radical. E os resultados? Em anos, pela primeira vez, consensos, reformas, linha de política externa independente e alinhada com governos sérios, ruptura com ditadores, retomada de diretrizes, pacto pela estabilidade, responsabilidade fiscal.
--Até aquela situação gravíssima do petróleo foi revertida.
-- Impressionante.
--Isso foi depois da votação no TSE?
--Acho que não. Aquilo era para ser a pá de cal.
--O enterro
--Foi ali que deve ter caído a ficha.
--Começou no dia em que o TCU rejeitou. Na hora, tentou o papo furado de "variante golpista", depois aceitou. Parece que então se trancou dois dias, detonou aquela dieta maluca, atacou os chocolates e puff: voltou outra. Acharam que iam interditar quando chamou a cadeia de rádio e pediu desculpas. Foi sincera pela primeira vez desde que entrou para a política. Lembra do que ela falou do marketeiro?
-- Não.
-- Que ele era tão eficiente, mas tão eficiente que fez todo mundo acreditar nos slogans falsos que criava.
--Espera um pouquinho. Falta um pedaço nessa história. Por favor me faz alguma analise. Do jeito que está não entra na cabeça.
--Se quiser posso arriscar, não vai ser lá essas coisas. Eu te diria o seguinte: ela percebeu que virou escrava do partido. Se no inicio eles só sabotavam de leve, depois o jogo foi ficando aberto e pesado. Ela deve ter tido algum tipo de insight. Resumindo, ela acordou. E não é nada fácil, imagine ser marionete daquele sujeito. A gota água foi sacar: a) ela seria jogada no limbo b) que quando ela caísse fora, ele encarnaria o papel da oposição.
--Foi-se o tempo no qual só principiantes não entendiam o Brasil, hoje em dia nem marmanjões veteranos encaram a tarefa.
--Bom, no caso dela era virar a mesa ou ir ao sacrifício.
--Ela se livrou da peste.
--Peste?
-- Peste emocional, vírus da convicção, epidemia de vale tudo, a calamidade que varreu o Brasil.
-- Muito estranho. Insisto em culpar o milagre. Como escreveu o o filósofo "só o improvável tem alguma chance de ser possível"