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Crônica, política e derivações

Das férias e do ócio

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Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

 

Réveillon no litoral de São Paulo custa quatro vezes mais que ida à Disney

 Foto: Estadão

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Livros médicos do século XIX,  costumavam anunciar: "férias - quando as pessoas se afastam completamente de suas atividades usuais por um período não inferior a sessenta dias".

Nas raízes etimológicas a palavra "negócio" significa negação do ócio. Concebemos descanso como meta, uma espécie de recompensa pelo déficit de lazer, uma resposta à precariedade dos repousos. Se o homem é um ser industrioso, e, se até os corpos são entidades que produzem, não nos escandalizemos com a pressão que nos fazemos mesmo quando se trata das esperadas férias remuneradas.

Na incapacidade de relaxar estamos praticamente convocados, obrigados, compulsoriamente obrigados à diversão.

A categoria "remunerada" pois, não é detalhe e a mensagem, auto evidente. Nossa sociedade é pródiga em lembrar que precisamos atender demandas da vida prática. Só que elas são inquietantemente infinitas.

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A vida produtiva se impõe, seja sob o disfarce dos artesãos em Arembepe ou para os que escolheram empreender com quisoques de coco verde em Natal. Lá ou acolá, estamos submissos à mesma lógica das máquinas eficientes. A última atenuação é que agora a vida alternativa dos homens contemporâneos precisa incluir algum contato com a natureza. Num País vasto como este, ainda subsistem regiões pouco exploradas. Mas quem não visitava uma cidade litorânea ou turística há 20 anos, testemunhará a extensão do massacre.

O boom de construções e a ocupação desordenada praticamente eliminou possibilidades de contato com áreas livres. Os negócios vão, lentamente, dando cabo das últimas áreas ociosas, assim como, lá atrás, acabaram com a perspectiva de vida calma e segura nas metrópoles.  Vigora uma tensão natural e permanente entre desenvolvimento e contemplação. E a palavra "sustentável" não parece ser a solução.

O que então significa hoje o ócio, para além do direito de não trabalhar?  Parece ter perdido significado numa sociedade que hipervaloriza o privado que merecia ser público. Além disso, ninguém mais parece se importar com o que deveria permanecer radicalmente privado, como o direito à alienação política e à liberdade de expressão.

Não foi preciso esperar o pregão das bolsas. Faz tempo que já estava decidido: depreciem o homem lúdico frente ao homem fábrica.

O agravante é não assumir que somos, ou viramos, uma espécie de promessa reversa, aquela que nunca se cumpre. Não se olvidem que estamos às vésperas de um ano eleitoral com Copa. Com tamanha maquiagem, vivemos fingindo não perceber que estamos em plena pulverização de recursos, enquanto a América Latina fervilha em sua atávica insolvência.

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O pior de tudo nunca foi a indolência do bom selvagem terceiro mundista. O realmente deplorável foram as falsificações sucessivas que nos conduziram ao marco zero do blefe central de que já éramos um paraíso de primeiro mundo.

http://blogs.estadao.com.br/conto-de-noticia/das-ferias-e-do-ocio/

 

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