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Crônica, política e derivações

De @bengurion para @bibi: Auschwitz hoje.

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Por Paulo Rosenbaum
Atualização:
 Foto: Estadão

Bibi, na santa paz na qual me encontro hoje fui chamado às pressas. Amigo, esqueça memorandos e encare esta comunicação como um telegrama urgente. Não houve escolha: por aqui, quando te sacodem de madrugada, é como ser convocado. Enquanto era balançado me explicavam, amanhã faz 70 anos que as tropas russas libertaram o campo de extermínio de Auschwitz.

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Vim mais para ouvir, mas se você abrir uma exceção, forneço um par de conselhos. Nossa extraordinária desvantagem na mídia não pode servir como desculpa. Não, não, nisso estamos de acordo, as críticas mais benevolentes, da esquerda à direita, amiúde mostram pouca, vale dizer quase nenhuma, simpatia por Israel. São vícios do discurso. Não compreendo também, há algo de irracional, inexplicável, atávico e insondável. Até já perguntei para a chefia, mas parece que o assunto é altamente classificado. Vai entender.  Mesmo assim, há sempre aquela parcela que merece um "por que?" A direita sempre foi o que foi. Por que essa cara? Não tem nada de indireta. Falo como um velho socialista olhando nos teus olhos. Não é provocação. Aliás, como esses pensadores esperam credibilidade se militam no lugar de manter o foco na análise? Você acha que é a propaganda? É possível. Comentava com os companheiros de nuvem, nunca, nem na época mais fértil da minha imaginação, poderia conceber o retorno de um clima tão hostil contra minorias. O mal que considerávamos superado foi reativado, separatismo, intolerância e xenofobias. Desta altura, terrorismo parece um termo desgastado, mudem para inimigos públicos da humanidade. Na sigla ficaria IPH.

A Europa não aprende? Os algozes se reciclam? Se o nazismo tem uma nova cara é preciso arrancar sua máscara. A liberdade de existir não deve preceder a de expressão? É claro que com o volume de agregados antissemitas e anti-israelenses tenho dificuldade em enxergar a distinção entre uns e outros. De acordo, é só ver o que acaba de acontecer na capital Argentina. Vergonhoso, mas auto evidente. Ao fim e ao cabo, dá no mesmo. Se estou fechado com sua posição? Confesso que oscilo,  concordo e discordo de sua condução política.

É claro que vejo o risco e compreendo a agitação. Ninguém por aqui quer que Auschwitz e as outras fábricas de extermínio sejam só símbolos da tragédia. E garanto, nem aqui nem ai vamos esquecer o que aconteceu. Nunca. Mas é que vendo da perspectiva que tenho hoje, o mundo mal começou. Prefiro que o Shoah se transforme em espírito de recuperação para toda a humanidade. Lembra-se? Nenhuma palavra será a última, muito menos o principio de todas as outras. Dialética é assim mesmo, mas quem entende? Pois deveriam, imagine uma civilização com o espírito talmúdico?

Não deboche deste antigo batalhador. Temos defeitos como insistem em apontar, mas que tal fazer valer nossas virtudes? A principal delas, subvalorizada. Ou você conhece alguém com nossa capacidade de superação? Fica até chato, mas qual povo duvida tanto de tudo?  Nós, que superamos o conceito de blasfêmia e heresia, escolhemos o bom humor. Há outro nome para questionar o universo e arguir até a palavra divina? Não ficamos tentando achar novos sentidos para cada palavra? Pode ser irritante, mas cada povo com suas idiossincrasias. Com elas é que fomos nos tornando mais tolerantes. O que torna um País único não são decretos ou exigências formais, mas capacidade de conversar. Você está enganado. Não sou nenhum ingênuo colega. Sei que fanáticos não tem conserto, mas que tal prevenir conversões em massa?

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Nem perguntei, ainda há tempo? Sei que está trabalhando no discurso para o Congresso.

Mais um minuto, bem conciso. Falo do status quo do nosso povo em nossa terra, mas falo principalmente do mundo atormentado em que vocês vivem. Você só quer o bem dopovo? É o que todos dizem. Mas e se não for suficiente? Você enxerga a situação como um todo? Sabe desarmar os espíritos? É só isso que interessa. Não, não quero saber de chips, nem das últimas tecnologias da defesa. Certo, certo, abaixo do equador fale como revertemos a crise hídrica usando o mar.  Escute mais uns segundos. Não, não falo dos profetas hebreus, nem de religião, falo de cultura e de homens de Estado. Gente palpável no agora. Quantos pensaram estar mudando o mundo? Mas cá de longe dá para ver, a maioria só administrou um status quo indesejável. Quanto desperdício de biografia. Há muita gente interessada em entornar o caldo. Não sabe o que é isso? Você?

É evidente que todos aqui apreciamos e achamos mais do que justa sua participação na marcha de Paris, mas permite? Aqueles acenos do pessoal da linha de frente pegou mal: não cabe aclamação no luto. Agora posso dizer o panorama que vejo ? O caráter judaico da terra não pode, não deve, ser dado por decreto. O que? Não, não, [riso rouco] nem sonho mais com paz. Minha fantasia recorrente é convívio tenso, mas justo. No estilo do pedido de Amós. Não, não o profeta, o escritor. Dois Estados, lado a lado, sem falsas identidades. Paciência eu tenho de sobra. A chefia reclama todos os dias "quando vão perceber que o oxigênio vêm da atmosfera comum?" Já que ninguém vai mesmo sair dai, que tal tomarmos a iniciativa e estabelecer as condições para que cada um ocupe seu lugar. Sim, ao sol. Nunca ninguém conquistou corações e mentes com chumbo.

Dia desses, no meio da rodinha enquanto jogava xadrez com Isahiah Berlin, cometi mais um daqueles aforismos: a melhor defesa é o ataque, diplomático.

Minha estima e votos de sucesso,

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Shalom,

David

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