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Crônica, política e derivações

Inautêntica liberdade

Por Paulo Rosenbaum
Atualização:
 Foto: Estadão

Tudo voa e escoa, na leniência, no desgaste moral, na ousadia recolhida. A paz não é, nunca foi clemente. Quem suporta sacrifício, termina na resignação. Chora a compaixão para reboca-la ao céu. É a leniência, cobrando o preço sem parâmetro. Um coro fechou na frase "aceitaremos qualquer coisa". Ainda obscuro,  há algo entre a caretice e o revolucionário. Um hiato que ninguém decifra. Não é o medonho vazio que devemos temer. Nem a aspereza do sem sentido. É essa servilidade, a aceitação incondicional, a passividade mórbida. Eis os monstros insubjugáveis, indomáveis e aflitivos, que nos facultaram o abismo sem precedentes. De que outra forma explicar miríades de mortes evitáveis? Pode ser por lama, ciúmes, ou baionetas urbanas.  Acidentes que não são causas naturais. Fatalidades são fatais para os desprotegidos. Nenhuma cartografia é espontânea. Alguém traçou estes mapas. Não é de agora, mas é que o hoje ofende mais. Degrada ao exagero. A política não responde mais aos chamados e a civilidade tem seus limites. Coincidem com os da cidadania vilipendiada. As ruas poderiam, contidos os desperdícios de convocações inúteis, mostrar que só de uma outra forma será possível. A sociedade se transformou, e, sob o imobilismo, fossilizamos as formas de representação. E quem não tem medo dos motins? Das aventuras sem controle? Das marchas invasivas? Da violência em espasmos? Mas já não vivemos algo similar? O selvagem já não imprimiu seu ritmo? Quem ainda tolera a cronicidade dos enganos, desmandos e disfarces? Nunca o cinismo encontrou tanto respaldo. Tantas caras sérias, cantores e escritores fazendo estranhas concessões ao arbítrio.  Não há mais vexame intelectual em capitular ao autoritarismo instrumental. A remuneração, em medalhas. Num governo impensável, a ilegitimidade fermentou o fisiologismo extremo. A noite, ao modo da casa, esparramam seus soldadinhos. Como praga vitalícia, se repetem mundo adentro. Alguém precisa gritar chega. Não podemos mais nos entregar ao oficio da imolação. Ninguém mais implorará nada. Os desterrados estão, de novo, na mira dos covardes. Não aprendemos a lição e estamos levando um quinau. Na trilha das construções destrutivas assistimos o projeto embrionário do tirano. O ilídimo em triunfo. Se há esperança, ela não está em acusar outros, mas reconhecer: estamos submetidos a um regime rente à exceção. Findo o espaço para concessões e com as instituições em seus limites operacionais. Nos caminhões ou sob o barro, nas caravanas ou nas casas, nos prédios e nos pátios, só uma chance para que a grande indignação não se esfole no vazio. Mudar o rumo. Parar tudo, até que o acordo leve em conta as vozes travadas pela engenhosa opressão. A mais ardilosa dentre todas, a inautêntica sensação de liberdade.

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