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Crônica, política e derivações

Nero e o impeachment

Por Paulo Rosenbaum
Atualização:
 Foto: Estadão

Tudo é ficção conspiratória até a lança cravar a pele. E se houvesse uma legislação preventiva operando na República romana, quando tiveram lugar os desastres da legislação de Cláudio César Augusto Germanico Nerón? Discípulo do filósofo Sêneca, não há provas de que ele tenha promovido o famoso incêndio de Roma no ano 64. Mas, depois dos seis dias queimando, Nero impôs pesados tributos aos súditos para reparar os estragos com a catástrofe. Além disso, passa a perseguir conspiradores imaginários e reais, entre os quais seu ex-preceptor, e age contra minorias. Se houvessem mecanismos legais seria ilegítimo afastar o tirano? Foram necessários dois anos para que o Senado romano o declarasse inimigo público. Nero, tenta o suicídio e malogra, para no ano 68, com ajuda de um escravo matar-se com um punhal.

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Analogias não são cópias, servem à reflexão.

Entidades como voto sagrado, urna inviolável e demais sutilezas de uma democracia representativa estão sob ataque. Um dos motivos é não haver salvaguardas eficazes contra o mau exercício do poder. Mas o golpe senior de nossos tempos vem justamente de quem está ladrando incessantemente a palavra. Na fragilidade da interpretação licenciosa tudo que obstar o projeto virá com codinome "golpe". Há quem ainda acredite que um mecanismo previsto em constituição mereça a calunia. A maioria já acordou. Impedir a insanidade e o mal feito, não significa ruptura com a legitimidade, e é tudo menos golpe. O plano é ver se cola. Mas sempre houve uma diferença entre plano e ação. O dedo do imponderável. O signo do luminol. A cédula reconhecida. A miséria da fartura. Eles agem, enquanto a sociedade, se prostra, paralisada, abúlica. Esperamos que as instituições cumpram não mais do que sua obrigação. Não percebem que, dada as circunstâncias, isso é muito. Por isso, heroísmos precisam de contexto.

Senhoras e senhores, estamos oficialmente confinados. Uma prisão domiciliar sem blindagem. Estamos esperando que as coisas  funcionem, quando foram projetadas para o enrosco. As regras do jogo estão sendo rasgadas, enquanto fingíamos não testemunhar uma operação que esteve em curso por mais de uma década. Eles não superaram a guerrilha. Não aceitaram a pax democrática. Ainda em pé de guerra contra uma sociedade que, à boca pequena, abominam. Decerto que outros partidos também são predadores naturais das riquezas do País. Mais do que certo que o PT não inventou a corrupção. Seu crime imperdoável foi buscar colonizar todas as instâncias, regularizar instrumentos, introduzir a espoliação por resultados, golpear o peito para anunciar que fizeram por nós, quando as evidencias pecuniárias vão mostrando um outro extrato.

Os motores sempre se justificam pelas causas. Mas o que é, dissecada, uma causa ideológica? Quase nada. Uma porção de argumentos sem consistência, voluntarismos propensos à irracionalidade, inferidos por máximas de filósofos do XIX ou propagandistas do XX. O ódio ao liberalismo econômico (mas não só), a tentação de inibir a liberdade, a estratégia de resgatar tudo pelo dinheiro, tem uma origem muito mais primitiva que as diferenças ideológicas. É sempre melhor impedir que os outros façam aquilo que eu mesmo não consigo proporcionar.  É sempre melhor obstaculizar os caminhos de uma sociedade que quer se repensar, que quer decidir sem políticos, ou apesar deles. É sempre aconselhável concentrar impostos que aceitar reparti-los, a única fórmula justa. Tudo já foi dito, redito, editado e reeditado. É portanto a exaustão que nos tolhe a alegria. Cansados com o paternalismo que nos impõe regressão. Nossas perspectivas não são mais para hoje. O consolo se concentra na justiça, que sempre pode disparar o elemento surpresa. E, cedo ou tarde, a tirania e a ditadura do vale tudo cessará. O gosto doce da superação não é vingança, vêm do comovente e do inesperado. E mesmo que a era da emancipação tardar, ela não há de falhar.

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