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Crônica, política e derivações

O indeterminável sentido da evaporação

Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

http://fotos.estadao.com.br/galerias/internacional,judeus-homenageiam-mortos-no-holocausto,15252?startSlide=0&f=0Dia em memória às vítimas do Holocausto (Yom Hashoah) 

 Foto: Estadão

Mais uma vez você vem falar  do Shoah?

E mais uma vez somos obrigados a ouvir?

Quer esquecer essa história? Seria bem melhor para todos.

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Admita, você não compreendeu: se esqueço, desapareço. Se você esquecer, desapareceremos todos.

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Não como pessoa, ninguém evapora como espírito, não se somem com as marés, não desintegramos como barrancos em inundações

Costumamos evaporar quando não fazemos mais sentido, mas existem ebulições prematuras. Se quiséssemos, viveríamos pelos segundos. E, se nossa contagem viesse numa outra unidade? Uma que desprezasse o tempo e redescobrisse outros ritmos.

Impressão minha? Seu sorriso mudou?

Não, não é capricho. Nada de apologias, nacionalismos, nem cumplicidade neurótica. Bastaria ter sabido que existi, a única exigência de toda memória.

Por que insisto em fixar-me em tuas lembranças?

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Nada pessoal, não vivo por vingança. Permite uma intimidade? Num dos campos senti: toda memória está vinculada à história. Entende? Nós somos assustadores.

Não, isso também não é para evocar sua consciência, despertar a Misericórdia. Você sabe tão bem quanto eu que a pena é uma nostalgia sem objeto, uma culpa sem noção do mal.

Exato. Como você, também não me comovo facilmente.  De acordo, detestáveis aqueles que se constringem sem levantar da cadeira, ridículos os que se movem sob a indignação remota.

O meu ponto?

Exijo que a dor, essa dor, suba junto com o vapor que nos destruiu, Faço questão que mortalha alguma seja reverenciada. Que os números tatuados se transformem numa álgebra benigna.

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Agora pode sentir? Captou meu estado?

Tento de outra forma: isso não tem a ver com religião, nem raças, etnias, partidos ou, classes sociais. Céus, crianças estão cercadas: judias, árabes, negras e caucasianas.

A natureza dos genocídios?

Permanecerá tão misteriosa como a gravidade. Com autorias indeterminadas: da Europa à Grécia, da Armênia à Síria, da Ruanda ao Iraque, da Bósnia ao Sudão, do passado ao futuro.

Viu? O assustador nunca esteve fora ou distante. É preciso repetir: nós somos assustadores. Todo holocausto é um adiamento, uma fusão sem fim, um negócio movido por manivelas humanas.

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Agora você chora? Só que ainda não terminei.

Precisei  vagar entre livros, em meio aos escombros e também nas paisagens intactas da natureza remanescente. Precisei viajar desafiando bósons, sob asteroides que carreavam água. Precisei ouvir lamentos de cada povo e elemento só para poder te ver. Precisei superar a ignorância, suportar a decadência. Precisei desviar dos fornos e gazes. Precisei contornar escravos e tiranos.  E mesmo chegando a estes confins de mundo, enfrentando provável arrependimento, reuni forças para te dizer que o homem pode ser diferente. Que se abandonarmos a vida reativa, a ação tem chance de prevalecer. Uma tradição como a vossa merece sobreviver se disser de novo, um novo.

A outra escolha? Resignar-se à repetição. Nesse caso, nem com todo esforço mudaremos nossa insignificância ou escaparemos da perplexidade.

 

 

 

 

 

 

 

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