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Crônica, política e derivações

Ódio e política pueril

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Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

 Foto: Estadão

A burguesia petista e coxinhas de panela vem construindo cenas sem paralelos na extensa história do patético. Alguns se perguntam de onde provém todo esse ódio e intolerância? As fontes são inesgotáveis, mas, como se sabe, sob a traição política, a cólera fica quase indomável. Os mitômanos podem não saber, mas é assim que instigam a grande ferida. No imaginário social, nenhum redentor se atreveria a enganar a boa fé. A infeliz fala recente de quem nos presidi emprestou do seu mentor a tese de "esgotamento do modelo". Ela pode ser traduzida de outra forma: não confiem demais em quem vos fala. Com a quase extinção dos bodes expiatórios críveis, não há mais a quem culpar. O crack de 29 não colou e a elite branca racista pode ser simultaneamente a classe média morena reacionária. O petróleo, privatizado pelo consórcio. O Estado foi ficando cada vez menos republicano. Os poderes, embaralhados e fatiados. Taxas de ruim/péssimo ameaçam extrapolar os gráficos. É evidente que a sociedade deve estar errada. Como estamos diante de uma administração avessa à crítica, toda chiadeira parece exaltar a convicção no sentido contrário. Não resta a menor dúvida de que a equação se inverteu: doravante, se tudo der certo, a sociedade é quem deverá servir à Pátria.

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Os traços de esgotamento estão por toda parte. Há sinais, signos e símbolos de que uma grande inviabilidade persistirá. Mesmo endossando a recusa ao catastrofismo, ninguém tem mais o direito de ficar peneirando mel. O laços de contra e a favor vão se estreitando, até não se saber mais quem é quem. Vai ficando difícil manter a honestidade intelectual e, ao mesmo tempo, apontar para direita ou esquerda. A complexidade social sempre superou a capacidade de apreensão analítica. Recorrer à luta de classes ou golpe militar revela o viés: estamos num sistema de notação maniqueísta. O anarco-marxismo e o atraso fanático escancaram a face pueril de nossas práticas políticas. Daí o emboloramento, a incoerência, o desatino programático. A anemia em líderes razoáveis. No malabarismo impossível, a maioria luta para exigir (e exigir-se) uma fidelidade ideológica que não mais existe.

Defende Cunha aliado, detesta Dilma malcriada. A favor de Calheiros com aversão ao procurador. O exército alternativo convocado para conter o golpe que, onírico, viria a calhar para salvar o projeto. "Viva a Petrobras" dizia Gabrielli em Salvador à frente de militantes com carteira assinada. Na CPI, na TV ou nas coletivas as falas, a retórica, o discurso, a impostação, a mímica, a gestalt de mais esse simulacro de verdade. Verdade? Decerto subjetiva, uma aporia sujeita à interpretações. Ninguém negará que mesmo um conceito pouco palpável exigiria contornos mínimos de realidade.

E com quem podemos contar?  Intelectuais subsidiados pelo partido? Blogs financiados por fundos partidários? Oposição encalacrada? Institutos de pesquisa controlados pelo poder? Para onde se olha enxerga-se as marcas da hegemonia. A doença se alastra. É que a colonização tem pressa. Se houvesse um manual de bons modos para além do conselho de ética e da controladoria geral da união, a manifestação deveria não só ser pacífica, mas solene. Agora não se trata de festa democrática, revanchismo ou enfrentamento. É a maturidade e o solene que podem encampar a seriedade do momento. A eleição passou. Inútil tentar culpar quem nos meteu nessa. Se há algo para aproveitar em uma marcha adulta é recobrar a consciência de uma saída.

 

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