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Crônica, política e derivações

Ponha-se no lugar do outro

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Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

Há alguns anos uma Faculdade de Medicina de São Paulo resolveu criar um núcleo de ensino experimental. Em um dos módulos a proposta era uma inversão das funções. O estudante de medicina ficaria no lugar do paciente e vice versa. O resultado foi chocante. Deveria durar três meses, não sobreviveu duas semanas. Quem desistiu foram os aprendizes de medicina.  Não suportaram ficar no lugar dos pacientes. Desta lição fica claro que não se tratou de má vontade, incomodo com a hierarquia, nem de algum gênero de preconceito. O que os impactou foi a aflição. A sensação de solidão. O desamparo e a falta de diálogo. O que parece óbvio é que ainda há muito o que fazer para melhorar a percepção dos profissionais de saúde em relação aos seus objetos. O problema pode estar exatamente nesta palavra, objeto. É evidente que existem médicos solidários e humanistas, e talvez, a maioria desejaria uma maior aproximação com seus pacientes. Mas não só otempo escassocomo a mediação da tecno-ciência obstaculiza esse contato. Quando se trata de diagnósticos de doenças mais graves este hiato se agudiza dramaticamente. Não basta o paciente ser orientado sobre a patologia, nem mesmo é o suficiente que a sequencia do tratamento seja esmiuçada por panfletos, manuais de apoio ou SACs. A dificuldade está em outro lugar: lidar com a demanda subjetiva dos pacientes, os quais, via de regra, sentem-se perdidos e, muitas vezes, pouco acolhidos. O mar de duvidas só tende à expansão, pois as consultas dos leigos aos sites e às informações on line tornaram-se inevitáveis. Ainda que a maioria deles não sejam confiáveis como fonte de informação, eles preenchem as lacunas. Mas isso não importa. Não basta atender demandas de perguntas protocolares e não completamente respondidas. Frequentemente a busca não é saber mais da doença, mas o que fazer com todas as informações sobre ela. Então, num mundo repleto de explicações virtuais um silencio aflitivo se instala na cabeça daqueles que precisam de assistência. Muitos sentem como se houvesse uma faca pendente sobre suas cabeças. E, muito provavelmente, nenhum médico possa, com seus conhecimentos, sozinho ou contando com ajuda, desarmar essa sensação. Talvez seja mesmo um vazio insanável. Decerto uma maior preocupação com o Cuidado poderia, ao menos, prevenir uma parte desse sofrimento. Que não deveria ser encarado como inexorável. Não se pode aceitar a doença nem como um fenômeno abstrato, muito menos a penitência como parte integrante da moléstia. Além disso, a percepção subjetiva é, muito provavelmente, mútua. Os dois lados tem suas impressões.  É natural que o médico tente se proteger fantasiando que ele controla os fatos objetivos. Mas ele desconsidera quetambém sofrerá o impacto de comunicar um diagnóstico, um prognóstico ou a difícil decisão de usar um tratamento mais invasivo ou arriscado. Lidar com os limites da vida e a proximidade da morte tem consequências diretas e indiretas, que se dirigem para os dois lados da maca. O significado de um paciente receber uma notícia mais dura é subestimado no atual modelo de relação médico-paciente. Se mesmo uma única palavra como a excessivamente utilizada "sobrevida" pode fazer a diferença no imaginário do doente, imaginem as avarias causadas pela distância e pela dificuldade de comunicação. Muitas vezes, quem se submete ao tratamento já se sente condenado, antes mesmo de saber quais suas chances de sobreviver à moléstia ou ao tratamento. Outros tantos relatam que se vêm diante de um estado análogo ao da animação suspensa. Se por um lado compreende-se a necessidade por parte dos médicos de falar a verdade nua e crua é necessário saber que um veredicto clínico pode funcionar ao modo de pena de morte. Ou de prisão perpétua.  Por isso mesmo é necessário que a ciência da saúde prevaleça e tenha o cuidado de proteger as pessoas. Deixa-las menos vulneráveis à crueza e às tecnicalidades reducionistas com que algumas decisões clínicas são feitas. Mesmos os exames mais sofisticados e elaborados que utilizam as tecnologias mais avançadas, inevitavelmente comportam algum grau de imprecisão, pois dependem de interpretação. Para muitos pode parecer surpresa mas nem os epistemológicos acham que a medicina seja ciência. No máximo a definem como ciência operativa. Neste sentido, o médico sempre deparará com limites. Se quiser ser exclusivamente técnico rejeitará sua percepção, seu olho clínico e seu felling.  Ajudar o paciente a tomar as decisões é sempre melhor do que impô-las à sua revelia  Sabemos que a medicina não tem todas as respostas, muitas vezes, infelizmente, poucas. De qualquer forma, admitir que a relação médico-paciente é uma construção sutil e imprescindível entre duas pessoas já seria um bom recomeço.

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