A Folha de S. Paulo publicou ontem uma notícia que nos faz pensar sobre o papel do Direito em nossas vidas. A matéria conta o caso do médico cujo filho é portador de grave epilepsia, e está sendo tratado com um derivado de maconha misturado com iogurte.
O tratamento não chega a ser inovador, porque em muitos lugares - até mesmo os Estados Unidos, às vezes muito conservadores nessa questão - o uso medicinal de derivados da maconha é permitido.
O que faz o caso juridicamente interessante é que, no Brasil, o tratamento é ilegal. Aqui, quem diz o que pode ou não pode circular, e como pode circular, é a ANVISA. Comercializar produtos sujeitos à regulamentação daquele órgão em desacordo com suas diretrizes normalmente configura alguma modalidade de crime - crime grave, hediondo até.
O médico da notícia, que trata seu filho com pasta de canabidiol, caminha sobre o gelo fino de acusações por tráfico internacional de substância proibida e importação ilegal de medicamentos, entre outros ilícitos. Diante da notícia, alguma autoridade desajustada (nada contra os desajustados, perdoem-me pela comparação) poderá levá-lo a ser criminalmente acusado. Até que essas tristes acusações cheguem, e não duvido que chegarão após a publicidade do caso, o Benício parece estar bem melhor, obrigado: tem menos convulsões e vai até diminuir a medicação autorizada que toma desde os cinco meses, em doses cavalares.
Falando assim, nem parece ilegal, não é mesmo? Mas é, porque à ANVISA cabe dizer o que vale e o que não vale como "droga", como "medicamento", como "suplemento" etc. O derivado aplicado no menino vale como substância proibida; consequentemente, sua importação e administração a alguém valem, em princípio, como crime (eu acho defensável que não, mas fica para o próximo post). Há casos esporádicos de autorização judicial para importação de substâncias análogas, mas o pai do Benício não parece estar amparado por uma delas.
Por que isso é assim? Por questões políticas. Simples assim. Como este é um tema em que o moralismo ainda bate forte no peito brasileiro, os contornos da política daquela agência ainda são muito conservadores, espelhando a posição do governo atual e de governos passados. Droga é um tema do qual homens públicos querem distância. É uma briga que ninguém quer comprar para valer. Pedro Abramovay, o último Secretário Nacional de Política Antidrogas que tentou introduzir o assunto, logo que Dilma fora empossada (portanto, ainda na fase da lua de mel política entre os eleitores e a eleita), acabou demitido com uma semana no cargo.
Hoje, quatro anos depois, Dilma segue patinando nas intenções de voto do eleitorado mais conservador, que tende a aplaudir a criminalização e a vaiar experimentalismos menos repressivos. Perde votos importantes até para o Pastor Everaldo. FHC tomou coragem para pronunciar-se sobre o tema apenas como seu projeto de aposentadoria, quando sabia que não disputaria mais nada. Fez um barulho, e por isso mecere os parabéns, mas não consegue encontrar coro na política estabelecida, inclusive de seu próprio partido. Aécio não fala sobre isso, e nem falará, porque disputa, com mais vigor ainda, o voto conservador, como mostrou sua recente coluna de louvor à família (que não se confunde, leitor maldoso, com aeroporto para a família).
Enquanto isso, o editorial deste domingo daquele veículo de mídia proto-comunista, o New York Times, faz coro, junto com Abramovay e muitos outros, por um enfrentamento mais inteligente da questão da maconha.
Por aqui, resta-nos tomar a luta do pai do garoto como pretexto para uma reflexão mais apurada sobre o tema. Posto, abaixo, os vídeos divulgados por ele no Youtube, onde é documentada a evolução do "tratamento criminoso". O primeiro vídeo mostra o menino em crise, alguns meses atrás. Tinha diversas dessas por dia, segundo seu pai. Após o tratamento com CBD, foram menos de dez crises em três meses. Os vídeos retratam a evolução do tratamento.
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Quem quiser assistir a todos os vídeos, visite esta página aqui: https://www.youtube.com/channel/UCeMBWHfju8bnV2yCOMHDDqQ