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Memória, gente e lugares

Moradora afetada por obra deixa residência por um ano

Casa na rua Galeno de Almeida quase foi demolida por construtora de Silvio Santos com a moradora dentro

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Por Edmundo Leite
Atualização:

A técnica em pesquisas Ligia Sumi Vieira assistia televisão em sua sala quando ouviu um forte estrondo e sentiu a casa balançar. Ao sair para fora, a surpresa: um trator que fazia escavações no terreno vizinho estava pronto para avançar sobre a sua residência. Desesperada, gritou para interromperem a obra. Tão surpresos quanto Ligia, os operários paralisaram suas atividades.

Máquinas desligadas, outra surpresa. A casa de Ligia estava no mapa de demolição da empresa responsável por limpar o terreno para a construção de dois condomínios pela incorporadora Sisan no quarteirão entre as ruas Oscar Freire, Galeno de Almeida e Arruda Alvim.

Obra da Sisan na Oscar Freire ilhou imóvel da loja Cristais Eduardo e residência de Ligia nos fundos.  Foto: Edmundo Leite/AE

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A casa de Ligia - na qual mora há mais de 30 anos - estava nos planos dos construtores dos novos prédios residenciais, mas não houve acordo para venda. Após aceitar uma oferta, o negócio não foi para frente por causa da recusa do dono do imóvel em frente – a Cristais Eduardo - em vender  a propriedade.

Com o impasse, os dois imóveis, que tem uma área comum e são  separadas por um pequeno jardim, ficaram ilhados pelas obras dos edifícios. “Um bate estacas quase derrubou a varanda”, conta Ligia, enquanto alerta o repórter para não se apoiar num muro – “olha só a rachadura” - e coloca alguns vasos de plantas  no carro.

Cuidem bem do meu jardim

As samambaias e outras plantas foram as últimas coisas retiradas da casa. Com os danos e transtornos cada vez maiores, Ligia entrou em acordo com a Sisan e deixou o local. A empresa alugou uma casa no Butantã para ela e a família viverem por um ano. No período das obras dos edifícios, a construtora usará a casa como alojamento e depósito. Depois disso, reconstruirá toda a residência para que a família volte para lá.

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Mesmo resignada com a situação, Ligia mantém a cordialidade com os funcionários enviados pela empresa para ajudar na mudança. “Cuidem bem do meu jardim”, pede a um dos operários que ficará trabalhando no imóvel. “Já mudei o endereço das contas e das revistas, mas devem chegar algumas ainda. Guardem para mim que eu passo aqui para pegar.”

Apesar de todos os transtornos com a mudança inesperada, Ligia diz que não está recebendo nenhuma compensação adicional além do aluguel da nova casa e da ajuda na mudança. "Gastei até com perícia particular e a Defesa Civil queria interditar a minha casa e não a obra", conta Ligia.

Desamparo

O desamparo do poder público também é a queixa de outros vizinhos da obra que não quiseram vender seus imóveis para os construtores dos novos edifícios residenciais.

O comerciante Arnaldo Serafim Saavedra, de 58 anos eque mora numa das casas localizadas sobre pequenos comércios na Oscar Freire, conta que vem sofrendo com os transtornos das obras e não obtém resposta alguma da prefeitura ou da polícia quando os procura. “Já liguei de madrugada por causa de escavações que estavam fazendo nesse horário e não veio ninguém. As máquinas e caminhões trabalham até de sábado e domingo. A gente se sente desrespeitado com a falta de respeito das autoridades.”

Assim como outros vizinhos, o comerciante explica que não aceitou a proposta de compra da Sisan por considerá-la insatisfatória. “Estou do lado do Metrô, na Oscar Freire, e não vou sair daqui sem uma proposta que me permita ir para um lugar equivalente”, diz Arnaldo, que nasceu no local, propriedade de sua família há quase 80 anos.

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Razões afetivas também foram o motivo da recusa da venda de outro imóvel, localizado na fronteira de cima do empreendimento. Morador de uma casa na rua Arruda Alvim há 55 anos, Maurício Meirelles - que atende à campanhia sorrindo - não pode nem escutar a possibilidade de sair de lá.

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“A vida dele está toda aqui”, diz a professora Malena, explicando que o irmão, que tem problemas mentais, vive na casa desde pequeno. “Como poderíamos tirar ele daqui?”, pergunta. “Ele morre de medo quando escuta alguma conversa sobre a casa. Conhece todo mundo da rua, vai ao médico sozinho e perderia toda sua referência se mudasse para outro lugar. A vida dele é aqui.”

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