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Memória, gente e lugares

Um sósia inesquecível

Qual a melhor forma de corrigir erros jornalísticos na internet?

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Por Edmundo Leite
Atualização:

O estranho e peculiar caso do encontro do jornalista Mario Sergio Conti com um sósia do técnico de futebol Luiz Felipe Scolari num avião de carreira da ponte aérea Rio-São Paulo em plena Copa do Mundo já entrou para o folclore do jornalismo brasileiro. Publicado quarta-feira nos sites dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, dos quais Conti é colunista, o texto original foi apagado dos sites logo depois ter sido chamado como se ali estivessem declarações do verdadeiro treinador da seleção brasileira de futebol.

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Num primeiro momento após apagar o conteúdo de seus sites, os dois jornais publicaram pequenas notas com correções alertando que o técnico estava em Fortaleza, onde a seleção jogara, e não conversou com o jornalista. Ambas sem possibilidade de leitura do texto original, apagado dos endereços e arquivos onde foi publicado.

Mais tarde, quando o caso se tornava um dos mais comentados nas redes sociais, com várias versões sobre o acontecido e outras publicações já entrevistando jornalista e o sósia de Felipão, os próprios jornais protagonistas fizeram reportagens ouvindo Conti e Wladimir Palomo e tentando explicar o que ocorrera entre a conversa dos dois e a sua publicação e edição. Novamente não havia link para a publicação original, mas desta vez o texto apagado foi republicado na nova reportagem.

Procedimento correto e que deveria ser mais corriqueiro e sistematizado em sites jornalísticos, a correção cumpre o papel fundamental de esclarecer os leitores sobre erros ou imprecisões comuns nos noticiários on-line, onde as notícias vão sendo construídas no momento em que o fato noticiado muitas vezes ainda está em andamento. Quanto mais rápida e transparente for a correção, melhor para os leitores, jornalistas e publicações.

A árdua tarefa de informar “em tempo real” é desgastante e estressante. Quem trabalha com isso tem a obrigação de publicar as notícias imediatamente e é cobrado com o mesmo rigor de quem escreve numa publicação impressa, onde os profissionais tem tempo para reler e rechecar o que escreveram e ainda contam com outros profissionais revisando o conteúdo linha por linha antes de a notícia ir para o prelo. A cobrança não é injusta. Faz parte do jogo. A urgência em relatar imposta pelo mundo digital não justifica erros e cabe aos profissionais, veículos e empresas se aprimorarem cada vez mais para oferecer nos meios digitais o mesmo padrão de qualidade de suas publicações impressas.

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Todos jornais tem erros memoráveis, alguns engraçados (para quem não é o autor do erro, claro) e outros graves, que afetam a vida das pessoas e instituições. A Folha de S. Paulo, pioneira com sua seção “Erramos”, até já produziu uma divertida e didática antologia com os melhores “erramos” publicados.

Até o surgimento da internet, muito desses erros acabavam esquecidos e ficariam guardados nas estantes de bibliotecas e arquivos de jornal onde as publicações de papel eram arquivadas, com acesso restrito a poucos que se dispusessem a ir até a esses locais folhear os antigos noticiários.

Com a crescente digitalização de jornais antigos, além da enorme quantidade de informações produzidas originalmente já em formato digital, os leitores agora podem acessar milhões de páginas produzidas desde a invenção da impressa. Aqui no Estadão, por exemplo, são quase 140 anos de jornal disponíveis no site do Acervo Estadão.

Paradoxalmente a essa vasta oferta de conteúdo jamais disponível na história, recentemente ganhou força uma estranha tese de direito ao esquecimento. Tese que já virou um fato concreto depois que a Corte Européia ordenou que o Google retirasse de seus resultados de busca menções a quem não quisesse que seu nome aparecesse, mesmo se tratando de notícias publicadas legalmente ou de documentos públicos.

Esse verdadeiro atentado à história praticado pela Corte Européia equivale a impedir que índices, catálogos e fichários que permitem aos interessados encontrar os conteúdos que procuram em meio a milhões de livros e outras publicações numa biblioteca fossem proibidos de ser manuseados por pesquisadores.

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Ao deletar o arquivo original com o texto de Conti de seus sites, os dois jornais devem ter pensado num primeiro momento que talvez estivessem resolvendo um problema. Não estavam. Ainda que tenham acordado a tempo para a inocuidade de apagar o texto e resolvido republicá-lo, talvez não tenham percebido o precedente perigoso que criaram. Apagando o texto original deram a um de seus colaboradores o benefício que negam - com razão - aos que acionam os jornais judicialmente para retirar de seus sites notícias publicadas que os desagradam.

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Apagar páginas publicadas de sites jornalísticos, mesmo que contenham algum erro, equivale a rasgar e jogar no lixo antigas páginas de jornal de papel arquivados. Assim como a decisão da justiça européia, é um atentado contra a história. Com a tecnologia já existente é possível preservar o conteúdo original e ainda assim reparar o o erro e avisar ao leitor sobre o equívoco que ali esteja publicado. Essa solução também adulteraria o conteúdo original, dirão alguns. E no caso de erro é melhor mesmo que seja excluído, argumentarão.

Para o bem da história, o melhor é que original com erro e a respectiva correção sejam preservados conjuntamente. Por mais que as vezes desejemos, na vida não existe direito ao esquecimento.

Sósias

 Foto: Estadão

Confusões envolvendo sósias já renderam várias histórias, na maior parte cômicas, como a do sósia brasileiro do ator inglês David Niven que chegou a dançar com diva Ava Gardner, dava autógrafos e foi convidado a participar de um filme no lugar do astro.

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Depois do episódio com o sósia de Scolari, o próprio Conti disse n’ O Globo que agora gostaria de ser um sósia de si mesmo e não ter assinado aquele texto sobre o técnico. O amigo Alex Xavier brincou no facebook: “Já pararam para pensar que o Mario Sergio Conti pode ter entrevistado o verdadeiro Felipão e o sósia é aquele comandando o Brasil?”

A situação absurda já foi tema do filme “Estressadíssimo (Grosse Fatigue)”, que conta a história de um famoso ator que resolve sumir do mapa para desfrutar a vida anonimamente, sem os percalços da fama, enquanto um sósia cumpre os seus compromissos profissionais. Fica a dica.