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Lógica é transformar prisões em depósitos de jovens negros, diz Iser

Para Pedro Strozenberg, proposta de redução da maioridade penal é provocada por vingança e raiva, e resultaria em mais violência

Por Felipe Werneck
Atualização:

 O debate sobre criminalidade e redução da maioridade penal é feito de modo superficial e açodado, na direção errada, avalia o advogado e pesquisador Pedro Strozenberg, diretor do Instituto de Estudos da Religião (Iser).

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Para ele, a proposta de mudança na Constituição para levar adolescentes à cadeia de adultos é provocada por vingança e raiva, e resultaria em mais violência. "Vejo uma lógica de transformar as prisões em depositários de excluídos da sociedade", afirma Strozenberg.

Ele cita como exemplo a Lei de Crimes Hediondos, modificada em 1994 para punir o homicídio qualificado de forma mais severa, após casos emblemáticos de grande comoção pública. "Se compararmos os dados daquele ano com cinco anos depois (1999), houve um aumento de 30% dos homicídios no Brasil. É natural que desejemos respostas rápidas e duras, mas é preciso analisar se o remédio não potencializa o problema."

Com o aumento do ritmo de encarceramento nos últimos anos, o País chegou a 607.731 presos, a quarta maior população prisional do mundo - dois em cada três presos no Brasil são negros, segundo o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça.

A proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes considerados hediondos, entre outros, será votada no plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 30. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

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Adolescentes internos no Educandário Santo Expedito, no Rio. ( Foto: Wilton Júnior)

 

O que move a discussão sobre redução da maioridade penal?

Este debate está sendo feito de modo superficial e açodado, envolto a um sentimento de temor, justo como são os sentimentos, mas sem nenhum senso prático, servindo mais como uma forma de aplacar a sensação imediata de insegurança do que por gerar o compromisso com a construção de uma sociedade mais segura e inclusiva. Uma infinidade de dados estatísticos mostra que este debate precisa ser recheado de respostas mais complexas do que o desejo por punição. Levantar muros e prisões é uma resposta notadamente ineficaz, de curto alcance, e fortemente preconceituosa, repetindo erros já conhecidos.

O desafio deveria estar colocado em torno das políticas de curto, médio e longo prazos, mas que direcionem energia no campo da prevenção, da responsabilização e das políticas sociais. O Brasil é rico de boas iniciativas, porém ruim em assegurar processos sustentáveis e monitorados.

Será que alguém duvida que o caminho da educação, da oportunidade e da superação das desigualdades é mais eficiente do que aumentar a população trancafiada? O debate da redução da idade penal trata juventude como questão de Justiça criminal e não de política social. Neste debate, onde estão as avaliações das políticas de promoção e garantia de direitos? É como dizer ao jovem: você, que ficou órfão das oportunidades e garantias consideradas fundamentais, não irá escapar da mão punitiva do Estado. Tomar a minoria pelo todo é reflexo desta lógica perversa e atemorizada que vivemos.

É como dizer ao jovem: você, que ficou órfão das oportunidades e garantias consideradas fundamentais, não irá escapar da mão punitiva do Estado. Tomar a minoria pelo todo é reflexo desta lógica perversa e atemorizada que vivemos.

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Dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos mostram que os homicídios representaram 8,8% dos atos infracionais por crianças e adolescentes registrados em 2013, e os latrocínios, 1,9%. Em São Paulo, os homicidas representam 1,6% do total de internos na Fundação Casa. A quem interessa a redução? Não será esta uma consequência ainda mais punitiva e desalentadora para o conjunto da população pobre do que uma real resposta a um problema grave de política pública?

 

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Segundo o Unicef, 33 mil adolescentes foram assassinados no Brasil entre 2006 e 2012, a maioria negros e pobres de periferias. Quem vai para a cadeia se a redução foi aprovada? O Brasil é um país de muitas contradições e desigualdades. Uma forte expressão dessa disparidade são as cadeias e os espaços socioeducativos, que atualmente são compostos basicamente de pessoas pobres e negras, cujas trajetórias são marcadas pela insuficiência das políticas estatais de proteção. Um investimento real nessas áreas possivelmente seria muito mais eficiente e mais econômico. É melhor investir em prevenção do que na remediação.

Na lógica que vivemos, a redução da idade penal alcançaria os mesmos jovens que hoje irão para o socioeducativo, mas determinaria de forma mais contundente sua chance de reincidência e de exclusão social. A opinião de que leis mais severas são elementos desestimuladores da criminalidade é pouco realista, em especial em países como o Brasil.

 

De que forma a experiência internacional pode contribuir?

No Brasil, há responsabilidade penal desde os 12 anos, através das medidas socioeducativas. A maioridade penal determina que você será julgado como adulto. Em muitos países, como Holanda, França ou Alemanha, a imputabilidade penal é aos 18 anos também. Assim, hoje o Brasil tem uma legislação equiparada a importantes países. Talvez essa deva ser a pergunta fundamental.

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A experiência internacional mostra que penalização dos mais jovens não assegura redução da violência. O Brasil corre o risco de dar um passo atrás.

Você acha que um jovem de 16 anos deve ser julgado por um tribunal especial ou deve ser um tribunal comum? Deve ter um sistema corretivo no modelo de prisão ou de socioeducação? Se levarmos em consideração que mais de 90% dos jovens que passam por este sistema não cometeram homicídios, a quem queremos punir verdadeiramente? A quem estamos reduzindo ainda mais a chance de futuro? A experiência internacional mostra que penalização dos mais jovens não assegura redução da violência. O Brasil corre o risco de dar um passo atrás.

 

"Mudanças provocadas pelo sentimento de vingança e raiva tendem a produzir mais violência", diz pesquisador. ( Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo)

 

Como avalia a declaração do governador do Rio, ainda na fase de investigação, sobre os adolescentes apontados como autores do assassinato do médico Jaime Gold, de que "ali não tem nenhum inocente"?

Me preocupa a frase do governador, se antecipando às posições do judiciário, mas me preocupa ainda mais a indiferença que nós da sociedade possamos ter frente a este episódio. Infelizmente, o debate está acusatório e alarmista, buscamos culpados fragilizados e vulneráveis, que correspondam à imagem que temos da violência. O conjunto da sociedade precisa se dispor a fazer um pacto verdadeiro e sustentável para superação deste cenário em que a juventude é caso de polícia. Precisa ser caso de política, responsável, duradoura e transparente.

 

Pressionado pelo ímpeto do presidente da Câmara para reduzir a maioridade penal, o governo federal chegou a costurar um acordo com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), para alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com penas mais elevadas para alguns crimes. Como vê essa possibilidade?

Pessoalmente acho inócuo e tenho posicionamento contrário, mas reconheço que por aí há uma chance de entendimento. Chamo apenas atenção de que não pode parar aí. É preciso debater sobre as condições de cumprimento de medidas, investimento no sistema socioeducativo, mediação de conflitos, ampliação de políticas para juventudes, senão será um debate limitado e insuficiente.Não devemos nos furtar de debater de maneira pública e transparente, e nem de deixar de fora pontos de fortalecimento do sistema de proteção social. Sem ter este olhar duplo, vamos apenas reforçar a violência e a insegurança. Mudanças provocadas pelo sentimento de vingança e raiva tendem a produzir mais violência. Quanto mais direitos tem a sociedade, mais segura ela estará. É nisso que devemos apostar para que tenhamos uma convivência melhor.

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