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"Parecia guerra, não área civil", afirma diretor da ActionAid sobre favela da Maré

O ativista político britânico Ben Phillips visitou projetos sociais desenvolvidos pela ONG Redes da Maré e criticou ocupação militar

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Por Redação
Atualização:

Por Danielle Villela

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Pela primeira vez no Brasil, o ativista político britânico Ben Phillips se surpreendeu com a presença ostensiva da "Força de Pacificação" do Exército e da Polícia Militar no Complexo da Maré, na zona norte do Rio. O diretor de Campanhas e Políticas da ActionAid, organização internacional sem fins lucrativos, visitou projetos sociais desenvolvidos pela ONG Redes da Maré. No primeiro semestre de 2014, cerca de 400 alunos foram beneficiados por projetos de reforço escolar e pré-vestibular, com apoio da ActionAid. Veja os principais trechos da conversa de Phillips com o Estado.

 

Quais foram suas impressões da visita ao Complexo da Maré?

Algo que realmente me impressionou foi ver crianças que têm um dia de folga na escola escolherem participar de atividades extracurriculares, por estarem tão comprometidas com sua própria educação. São crianças maravilhosas que estão determinadas em fazer o melhor de suas vidas. Conhecemos professores, apoiadores e voluntários inspiradores, pessoas que organizaram uma biblioteca e uma orquestra adoráveis. Às vezes, quando as pessoas pensam em favela, podem ter uma impressão negativa, mas o que vimos foi voluntários trabalhando duro, crianças determinadas a ter um bom desempenho, pessoas gerindo pequenos negócios. Algo que a comunidade e os grupos locais têm conseguido alcançar é definir um endereço para as casas. Se você não está em algum lugar, você não é alguém. É difícil ter acesso a serviços públicos, é difícil provar quem você é se você não pode dizer onde você mora, de onde você é.

 

A Maré está ocupada desde abril do ano passado por cerca de 3 mil militares, que agora começam a ser substituídos pela PM. Qual é a sua opinião sobre esse tipo de ocupação como política pública de segurança?

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Ouvimos pessoas que estão preocupadas com isso. Há temor que a operação seja conduzida com mãos pesadas. Segurança pública é um direito. Quando um policial vem à sua rua, isso deveria fazer você se sentir mais seguro. Essa não é a experiência dos moradores da Maré. Quando estávamos saindo do complexo, vimos um grupo de militares usando toucas-ninja e fortemente armados, concentrados numa parede para entrar na favela. Parecia guerra, não parecia policiamento de área civil. O que exatamente o governo quer dizer para as pessoas da favela com essa mensagem? É importante que se saiba a verdadeira história dos moradores da Maré, pessoas que contribuem para a cidade, que querem empregos decentes e serviços públicos de qualidade. O Brasil não encontrará segurança por meio do armamento, mas através de sociedade mais inclusiva. Isso é fato observável ao redor do mundo, é algo demonstrável por estatísticas. Há risco na estratégia de enviar militares fortemente armados para resolver os desafios do Rio. A evidência de todos os outros lugares é que essa seria a primeira vez que esse tipo de estratégia seria bem sucedida.

 

Pode dar exemplos de políticas públicas que deveriam ser adotadas no processo de pacificação das favelas do Rio?

Uma das coisas que representa um grande progresso no Brasil é o estreitamento da lacuna entre ricos e pobres. As pessoas pobres têm mais dinheiro do que costumavam ter e isso é algo realmente positivo. Mas para uma sociedade verdadeiramente mais inclusiva, as pessoas querem a segurança de bons serviços de saúde, educação, água e saneamento básico, coleta de lixo, moradia, boas estradas, transporte público. Esse é o próximo passo necessário na jornada para o Brasil se tornar sociedade mais inclusiva. Se observarmos o sucesso econômico de países do Leste Asiático, como Coreia do Sul, Taiwan, Malásia, desde a década de 1950, eles investiram na população, essa é a raiz do sucesso. Se tivermos uma população que não é saudável, não sabe ler ou não consegue chegar ao trabalho porque não há ônibus, estamos retendo o potencial econômico do Brasil, assim como estamos negligenciando essas pessoas como indivíduos.

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