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Opinião|A eleição que os jornais quase não cobriram

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 Foto: Estadão

Com 100% das urnas apuradas no segundo turno, o Estadão não cobriu a eleição para a prefeitura de São Paulo. Calma, não se trata de uma reação maluca diante da vitória de Fernando Haddad. É apenas a impressão que o internauta teve se procurou pelo assunto no Google, que responde por mais de 90% das buscas no Brasil. Sua resposta a "resultado eleição são paulo" traz um link para o Estadão apenas em sua segunda página, na 17ª posição, atrás de links para o UOL, a Agência Notícias, o R7, o Terra, o Globo.com, o G1, o Yahoo!, a Veja, e até um site oportunista totalmente baseado em SEO, chamado eleicoes2012.info. A primeira menção à Folha surge só na terceira página de respostas. Se o usuário então clicar na seção "notícias" do Google, os jornais desaparecem por completo.

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Isso é um resultado péssimo, já que a maioria dos internautas se satisfaz com os resultados da primeira página de respostas do buscador. Graças a esse mau posicionamento, os sites dos jornais perdem milhões de page views ao final do mês, podendo chegar a 10% de sua audiência global, o que certamente tem um impacto muito considerável em sua receita publicitária online.

Esse posicionamento só não foi pior porque as eleições representam o assunto mais importante do ano para os jornais, superando até mesmo as Olimpíadas de Londres. E, ao contrário da provocação do primeiro parágrafo, eles, sim, cobriram-e muito bem- o pleito municipal. Com isso, subiram na classificação do Google. Mas se o mesmo internauta procurasse por "último capítulo de avenida brasil", outro tema que causou comoção nacional recentemente, o único grande jornal a aparecer nas cinco primeiras páginas de resposta é a Folha, e timidamente com um link na quarta delas, na 48ª posição, atrás de sites absolutamente inexpressivos.

Em um primeiro momento, pode parecer que o Google está falhando ao trazer as páginas mais relevantes para seus usuários. Mas os resultados são igualmente ruins no Bing e na busca do Yahoo!. E não se trata de uma falha nos algoritmos dos buscadores. Na verdade, os jornais foram praticamente banidos porque explicitamente pediram isso.

A discussão já dura uns oito anos, e começou com os jornais internacionais acusando o Google de estar roubando as reportagens desses veículos para construir seus serviços, especialmente o Google News (ou Notícias). Desde então, muita discussão vem acontecendo. No Brasil, desde o ano passado, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) recomenda a seus 154 associados que deixem o serviço, o que vem sendo seguido por todos.

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Para isso, basta incluir um simples comando em todas as páginas de seu site, para que o Google deixe de exibi-las no Google Notícias e na seção "notícias" do buscador. O problema é que essa ação também derruba a relevância dessas mesmas páginas na busca orgânica, o que é a causa da situação descrita nos primeiros parágrafos deste post.

Os jornais são os detentores legítimos de seu conteúdo, ninguém questiona isso, nem mesmo os buscadores. Dessa forma, eles têm o direito legítimo de "proteger" seus produtos de quem estiver fazendo uso indevido deles.

Já os buscadores sempre argumentaram que os seus serviços são construídos com base no "uso justo", ou seja, usariam pequenos trechos do conteúdo dos veículos, retribuindo-lhes com links diretos e crédito. Dessa forma, ninguém deveria nada a ninguém.

Os dois lados têm, portanto, argumentos defensáveis. Mas façamos uma análise meramente monetária. Por ter seguido recomendação da ANJ, é razoável supor que um grande jornal brasileiro tenha "perdido" 10 milhões de page views em um mês, que não vêm mais do Google. Sendo muito conservador, podemos supor que as receitas médias com publicidade, somando todas as inserções, cheguem a R$ 0,05 por página, depois de todos os descontos. Ou seja, esse veículo vem deixando de faturar R$ 500 mil por mês.

Não me parece pouco. Ainda mais porque os jornais estão passando por tempos bicudos, demitindo e até encerrando títulos (o "Jornal da Tarde" parece ser o próximo da lista de defuntos, possivelmente deixando de circular em novembro, segundo o burburinho do mercado).

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Mas o mais grave não é a perda financeira: é a incapacidade (ou seria teimosia?) de os jornais aceitarem que seu modelo de negócios, forjado no século 19 e sustentado pela publicidade e pela assinatura de um produto "consolidado" (onde o cliente paga por tudo, mesmo que consuma apenas uma parte), não encontra mais lugar no mundo.

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Além de perderem a dinheirama acima, assistem praticamente imobilizados às mudanças da mídia, que os condena cada vez mais ao ostracismo. Sim, porque o Google Notícias é mídia, assim como o Flipboard e os outros agregadores, os blogs e tantas outros. Players que, se não "roubam" seus conteúdos, certamente levam embora seu público (que procura alternativas mais modernas e adequadas), e para os quais as empresas de comunicação tradicionais torcem o nariz e batem o pé, ao invés de aprender algo com eles.

Isso me lembra a fábula "A Raposa e as Uvas", de La Fontaine. Mas me dá muita pena que, neste caso, as empresas de comunicação tradicionais são raposas que poderiam perfeitamente usar escadas para alcançar suas uvas. Mas se recusam a isso.

Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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