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Opinião|Até quando você vai pagar pela TV a cabo?

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 Foto: Estadão

Houve um tempo em que se assinava a TV a cabo para se ter uma programação de qualidade. Canais como Discovery Channel e a HBO eram a garantia de fugir do conteúdo rasteiro da TV aberta. Mas essa premissa não é mais válida, seja pela piora na qualidade de suas programações, seja pela enxurrada de canais irrelevantes que as operadoras nos empurram goela abaixo. Tudo isso oferecido a preços exorbitantes! Para piorar, de uns tempos para cá, as empresas de TV por assinatura vêm realizando práticas contrárias aos interesses de seus clientes. Então fica a pergunta: até quando você vai pagar pela sua TV a cabo?

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Muita gente responde a essa pergunta com um "já não pago!" Em 2016, foram canceladas 364 mil linhas de TV por assinatura em todo o país, segundo a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). No ano anterior, já haviam deixado o sistema outras 550 mil residências. E, ainda segundo a agência, só em janeiro desse ano, a evasão foi de outros 105 mil lares. Algo que, se não coloca o negócio de TV por assinatura na UTI, certamente indica uma grave doença que o corrói por dentro.


Vídeo relacionado:

http://youtu.be/y11musWqJBE

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Se os sintomas são evidentes, as causas também são facilmente encontradas. Além das já citadas qualidade baixa e preço alto, o consumidor descobriu que agora ele tem várias alternativas mais vantajosas, especialmente em serviços de vídeo sob demanda, cuja principal estrela é a Netflix.

Seria de se esperar que, diante dessa sangria desatada de assinantes, as operadoras de TV por assinatura decidissem criar pacotes mais atraentes e produtos de melhor qualidade. Mas não só isso não acontece, como essas empresas criam mecanismos e fazem lobby para tirar concorrentes do mercado e estrangular clientes e fornecedores.

O movimento mais recente aconteceu no dia 29 de março, quando o sinal de TV analógico foi desligado na cidade de São Paulo. No momento em que isso aconteceu, assinantes da Net, da ClaroTV, da Oi TV e da Sky perderam o sinal do SBT, da Record e da Rede TV. Isso é resultado de um embate entre as operadoras e essas emissoras, que querem ser pagas pelas primeiras pelo seu conteúdo, assim como acontece com Globo, Band e canais estrangeiros. A única que continuou transmitindo foi a Vivo TV, que negociou um pagamento aos canais.

As operadoras se defendem dizendo que Globo e Band recebem pagamentos porque fazem parte de uma "cesta" dessas duas produtoras, que incluem também canais fechados. Além disso, SBT, Record e Rede TV juntos estariam querendo R$ 10 por mês de cada assinante para que continuassem entregando seu sinal.

Convenhamos: é pouco provável que alguém tope pagar R$ 10 adicionais todos os meses só para ver esses canais, especialmente porque eles podem ser sintonizados gratuitamente na TV aberta digital.

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Mas temos que ser justos: se as operadoras de TV por assinatura não veem valor no conteúdo desses canais a ponto de pagar por eles, com que direito cobram de seus assinantes pelos seus planos básicos (que não são nada baratos), constituídos basicamente por canais abertos de emissoras privadas e públicas e uns poucos canais fechados? Então eles deveriam ser oferecidos de graça! E as operadoras que se esforçassem para criar pacotes premium pelos quais o consumidor visse vantagem em pagar por eles.

Isso seria justo! Se é grátis, que seja grátis para todos, inclusive para o consumidor.

 

A guerra contra a Netflix

Outra pedra no sapato das operadoras de TV por assinatura são os serviços de vídeo sob demanda, especialmente a Netflix. Pudera: o serviço é considerado um dos principais motivos dos já citados cancelamentos. E os números confirmam isso: se, nos últimos 25 meses, a TV fechada perdeu mais de 1 milhão de domicílios, a Netflix continua crescendo a passos largos. Estima-se que já tenha 4 milhões de assinantes no Brasil, e seu faturamento teria sido de R$ 1,1 bilhão no país em 2016. Para efeitos de comparação, o SBT teria faturado R$ 850 milhões no mesmo período.

Para combater essa ameaça, as operadoras de TV por assinatura apelam para o lobby, na expectativa de tornar a vida de seus concorrentes modernos mais difícil (de preferência impossível). A bola da vez é forçar que o governo cobre o Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), um imposto que poderia morder R$ 300 milhões da Netflix até 2022. A medida também impactaria outros serviços, como o YouTube e o Spotify.

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O governo tentaria ainda criar um novo imposto que morderia até 8% do faturamento desses serviços, a título de cobrança por remessa de lucros às suas matrizes internacionais. Vale lembrar que, no final do ano passado, o governo já começou a cobrar ISS sobre o serviço de streaming.

Acho justo que empresas paguem impostos e que exista isonomia entre competidores. Mas eu fico louco quando percebo manobras políticas rasteiras que usam justamente tais impostos para tirar concorrentes do páreo, para garantir uma sobrevida a serviços de péssima qualidade. Para essa "turma do atraso", o consumidor que se lasque!

É sempre bom lembrar que, exatamente há um ano, essas mesmas operadoras de TV por assinatura, que também são as "donas" do acesso à Internet no país, tentaram aplicar um duríssimo golpe em seus assinantes limitando o acesso à rede. Novamente o alvo era a Netflix, pois, como qualquer serviço de streaming, necessita de boas conexões para funcionar. Ao piorar o serviço de Internet, as operadoras inviabilizariam os serviços de vídeo sob demanda, privilegiando suas TVs por assinaturas. A jogada sujíssima, que já tinha recebido o aval da Anatel, só não foi para a frente porque a sociedade se mobilizou pesadamente contra esse golpe.

Mas, afinal, por que as pessoas trocam a TV por assinatura pela Netflix?

 

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O real valor das coisas

A melhor coisa que pode acontecer a qualquer consumidor é ter escolha: empresas concorrendo pela oferta de produtos de qualidade cada vez mais alta, a preços cada vez mais baixos.

Como já disse, os serviços básicos das TVs por assinatura, aquele construído essencialmente de conteúdos gratuitos de TV aberta e alguns canais fechados, custam a partir de R$ 70 por mês (veja exemplo da Net). Enquanto isso, a Netflix cobra apenas R$ 19,90 de seu serviço básico. Se o usuário assina o serviço Premium (R$ 29,90), recebe a programação em Ultra HD (qualidade de imagem nove vezes superior à HD das TVs a cabo). Além disso, a mesma assinatura pode ser compartilhada com outras três pessoas quaisquer.

Mas há outros pontos que vão muito além do preço. Na Netflix, não há comerciais, enquanto que canais fechados da TV a cabo chegam a colocar três minutos de comercial a cada sete minutos de programação, algo que tira qualquer um do sério! Por fim, a Netflix decretou a morte da grade de programação: o usuário assiste o que ele quiser, na hora que ele quiser. No caso de séries, todos os episódios ficam disponíveis de uma vez, sem ter que aguardar uma semana para cada um.

Isso é um golpe mortal no modelo de negócios das emissoras, calcado sobre publicidade e horário nobre. Só que o usuário simplesmente não quer saber disso: eles querem pagar por aqui que lhes é mais vantajoso. E eles adoraram essa liberdade a preços baixos viabilizada pela Netflix.

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Os consumidores não são trouxas, apesar de as operadoras insistirem em tratá-los dessa forma. Seu produto -a distribuição de vídeo- foi "commoditizada", ou seja, o usuário não percebe mais valor nele, pois há outros players oferecendo a mesma coisa, de maneira melhor e mais barata. Pagar pela Netflix, portanto, não significa pagar pela distribuição de vídeo, e sim por um serviço construído em cima disso, que torna a experiência muito mais vantajosa!

As operadoras já perceberam isso. Tanto que algumas já oferecem seus próprios serviços de vídeo sob demanda. Mas atitudes como as explicadas acima demonstram que elas ainda têm um longo caminho a percorrer para reconquistar o coração do usuário. E isso passa por tratá-lo com respeito.

Se não fizerem isso logo, serão reduzidas a meros provedores de sinal de Internet. Quando isso acontecer, será que continuarão tratando mal seus clientes?


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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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