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Diversidade e Inclusão

"Ser responsável por uma pessoa com autismo é muito duro"

Em entrevista ao #blogVencerLimites, o jornalista Luiz Fernando Vianna, autor de 'Meu Menino Vadio', explica porque usou uma abordagem franca e direta para descrever sua relação com o filho Henrique, que "está no espectro", e também para refutar a ideia de que seja "abençoado" por ter um "anjo azul".

Foto do author Luiz Alexandre Souza Ventura
Por Luiz Alexandre Souza Ventura
Atualização:

'Meu Menino Vadio - Histórias de um garoto autista e seu pai estranho', de Luiz Fernando Vianna, foi lançado pela editora Intrínseca. Foto: blogVencerLimites

Tentar resenhar o livro 'Meu Menino Vadio' para torná-lo, de alguma forma, mais palatável, seria um desrespeito ao autor - o jornalista Luiz Fernando Vianna - e à forma corajosa com a qual ele expõe suas inseguranças, intimidades e, principalmente, a relação com o filho Henrique, que "está no espetro do autismo", como afirma o escritor.

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Trata-se de um conteúdo que precisa ser lido, e relido, por quem convive com o autismo e também por quem jamais chegou perto do assunto. É uma verdadeira porrada, um soco reto, uma bofetada de mão cheia, que amplia e aprofunda, de forma nada sutil, nossa percepção e o conhecimento que julgamos ter a respeito do tema.

O #blogVencerLimites conversou com Vianna para saber mais sobre o processo de criação do livro, a atuação de grande imprensa na apresentação de quem tem autismo e das pessoas com deficiência em geral, e também sobre as diferentes manifestações de pais que têm filhos no espectro.

A decisão pela abordagem direta e realista, diz Luiz Fernando, foi totalmente individual. "Até em função do meu temperamento fechado, de que falo no livro, escrevi sem consultar ninguém, nem mesmo minha mãe e minhas irmãs", afirma.

"A editora foi fundamental para se chegar ao formato final, fez ajustes importantes, mas não interferiu no tom que quis dar ao livro. Um tom, aliás, pouco comercial, sem clima de autoajuda, com trechos amargos", diz.

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Para o jornalista, além de generosidade para entender as pessoas que estão no espectro, é importante não usar como padrão certas ideias sobre o que seja normalidade.

"Não ficar pensando: ela (a pessoa no espectro) está com um desenvolvimento equivalente ao de uma criança com idade inferior; ela nunca vai ser uma profissional bem-sucedida. Não se deve usar, para as pessoas com autismo, regras que a sociedade costuma utilizar com os neurotípicos. O importante, e muito difícil, é descobrir as potencialidades, estimulá-las, e trabalhar para que a pessoa chegue aonde puder chegar e da maneira mais feliz que ela conseguir", defende o autor.

Segundo Vianna, é preciso respeitar as escolhas que cada um faz para lidar com a situação, como considerar somente o 'lado bom' de ser pai de uma pessoa com autismo, mas ele afirma ser falso o discurso de que um pai é "abençoado" por ter um "anjo azul".

Livro pode ser comprado pela internet (clique aqui). Imagem: Reprodução Foto: Estadão

"É preciso um tanto de indignação para enfrentar os preconceitos, as caras feias, o bullying, os médicos e terapeutas mal preparados, o Estado omisso, os planos de saúde trapaceiros. Dizer que é sorte ter um filho especial não ajuda politicamente nem pessoalmente. Reconhecer o quanto é duro, muito duro, ser responsável por uma pessoa com autismo me parece um modo mais realista de enfrentar as adversidades. No dia a dia, são tantas as dificuldades que a tese da bênção se mostra patética. Algumas doses de raiva e sinceridade são necessárias", afirma.

Mesmo para um jornalista, que tem como base da profissão a pesquisa, a busca por informações concretas e confiáveis, correr para a internet em busca de um diagnóstico foi tentador, mas Luiz Fernando Vianna preferiu procurar respostas em conversas com outros pais e instituições.

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"A infinidade de informações é a beleza e o terror da internet. Por mais difícil que seja fazer isso no início da jornada, eu não consegui fazer, a sugestão é: respire. E depois vá buscar informações. Parece aqueles avisos no avião: primeiro ajeite sua máscara de oxigênio e depois ponha a do seu filho. Senão, os dois vão sufocar".

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Sobre a contribuição da imprensa para ampliar o conhecimento sobre o autismo e as pessoas com deficiência em geral, o jornalista diz que a situação está melhorando.

"A grande imprensa tem publicado mais e melhores reportagens sobre autismo e outros transtornos. E há colunistas que entendem do que estão falando. Mas ainda há alguns problemas. Por exemplo: é leviano tratar como plausível a cura do autismo. Sei que há médicos sérios trabalhando nesse sentido, mas são pesquisas que ainda levarão muitos anos e que poderão ajudar a reverter apenas parte dos sintomas, e não transformar as pessoas com autismo em "normais", seja lá o que for isso. Médicos precisam de atenção e verbas para suas pesquisas e, às vezes, oferecem peixes que a imprensa gosta de comprar. Para os pais, pode ser doloroso descobrir, anos depois, que acreditaram numa fantasia. Os jornalistas devem priorizar informações seguras, mesmo que não rendem as melhores manchetes. Outra observação: nunca tratar, nas reportagens, as pessoas com deficiência como coitadinhas. Elas são cidadãs, têm direitos, precisam de educação e saúde, os entes públicos e privados não fazem nenhum favor a elas. E também acho que os pais não devem ser considerados heróis ou vilões, por mais extremas que sejam as histórias. Vivemos numa tensão permanente, por causa dos nossos filhos, e isso pode nos tornar capazes de incríveis acertos e desastrosos erros. Somos humanos", conclui Luiz Fernando Vianna.

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