7 em 10 imigrantes se sentem discriminados no Brasil, diz estudo

Domínio do idioma, acesso a serviços públicos básicos e retirada de documentação são as principais dificuldades relatadas

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Por Luísa Martins
Atualização:
Imigrantes relatam dificuldades na chegada ao Brasil Foto: ESTADÃO

BRASÍLIA - De cada dez imigrantes estrangeiros em situação de vulnerabilidade no Brasil, sete sentem-se discriminados. O índice foi revelado nesta sexta-feira, 13, pela pesquisa "Migrantes, apátridas e refugiados: subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços, direitos e políticas públicas", realizada pelo Ministério da Justiça, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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Os pesquisadores entrevistaram 128 imigrantes, 132 instituições públicas e 93 entidades da sociedade civil, resultando em 353 formulários preenchidos - material utilizado como base para sistematizar informações e recomendar melhorias nas políticas públicas de acolhimento de estrangeiros vulneráveis no País. Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte não responderam aos questionamentos.

O domínio do idioma, o acesso a serviços públicos básicos e a retirada de documentação são as principais dificuldades relatadas pelos imigrantes. Em São Paulo, onde 40% deles estão concentrados, 71% dos entrevistados afirmaram, também, ter enfrentado problemas com a inserção no mercado de trabalho. 

"O documento comprova cientificamente percepções que já existiam sobre esses obstáculos. Com os dados apresentados, buscamos aumentar a vontade política para melhorar a situação dessas pessoas", diz a coordenadora da pesquisa, Liliana Jubilut, professora da Universidade Católica de Santos. Conforme o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, o número de imigrantes no Brasil quase dobrou em uma década, passando de 143 mil para 268 mil.

Iniciativa do projeto Pensando o Direito, da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL/MJ), a pesquisa traçou um perfil dos imigrantes: a maioria é do sexo masculino, tem entre 18 e 40 anos, são africanos ou latinos e se enquadram em todas as categorias migratórias: são refugiados, solicitantes de refúgio, deslocados ambientais, imigrantes humanitários, imigrantes econômicos ou apátridas. 

A conclusão da pesquisa é a de que, apesar de alguns esforços para agilizar procedimentos e acolher vítimas de desastres ou conflitos armados, o sistema normativo do Brasil é "inadequado", pois ainda se alicerça no Estatuto do Estrangeiro, da época da ditadura militar, para controlar entradas e permanências em território nacional. 

O secretário substituto da SAL, Mario Ditticio, comemora a tramitação, no Congresso Nacional, de um projeto de lei que busca revogar o Estatuto. "A norma atual tem como foco levantar barreiras, fazer com que os imigrantes não fiquem. O nosso propósito é justamente o contrário: diminuir essas dificuldades, praticar a tolerância e conceder direitos de cidadania para aqueles que procuraram o Brasil no momento mais difícil de suas vidas".

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Dos setores da sociedade civil abordados pelos pesquisadores, 87% acreditam que os imigrantes têm dificuldades mais graves do que a população em geral, "o que pode denotar discriminação e/ou vulnerabilidade específica dos imigrantes", segundo o documento. Notou-se também que 72% dos imigrantes não têm conhecimento de ações para a melhoria de sua proteção no Brasil. Um dos motivos seria a tímida rede de atendimento a essa população. Em nível municipal, por exemplo, a pesquisa ainda apontou "praticamente uma ausência total de políticas voltadas para as questões migratórias, apesar de inúmeros municípios se depararem com esse problema em seus cotidianos."

Conforme o secretário Nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, "o Brasil está de braços abertos, em meio a um cenário triste de crise migratória". Por isso, vê o estudo do Pensando o Direito como uma diretriz para melhorias. A pesquisa concluiu que os órgãos superiores de gestão de políticas públicas não estão em sintonia e, mais que isso, se comunicam mal, resultando na "inexistência de coordenação eficaz de uma estrutura centralizada para migrações" e na falta de uma "visão global sobre a realidade da mobilidade humana no País". Vasconcelos destacou a intenção de disseminar para outros Estados os centros de referência a imigrantes, como o que já funciona em São Paulo; ampliar a oferta de cursos gratuitos de português e aumentar o número de imigrantes com carteiras de trabalho assinadas.

No Brasil, menos de 1% da população é composta por imigrantes, enquanto esse índice é de 12% nos Estados Unidos e de 20% na Europa. Entre 2011 e 2015, 986 mil brasileiros saíram para viver no exterior, enquanto 728 mil estrangeiros imigraram para o País. "Ainda somos credores. Só teríamos crise de emprego se os 2 milhões de brasileiros que vivem na Europa e nos Estados Unidos voltassem para cá. Então, o mito de que os estrangeiros estão tirando espaço de emprego dos brasileiros precisa ser desconstruído", salientou o delegado da Divisão de Cadastro e Registro de Estrangeiros da Polícia Federal, Alexandre Patury. "Imigrantes não trazem problemas ao Brasil, apenas inovação e desenvolvimento socioeconômico", complementou Vasconcelos.