A cidade, pelo olhar estrangeiro

Nem ponte, nem arranha-céu. O que chamou a atenção dos arquitetos da Bienal foram os contrastes

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Por Sérgio Duran
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Ponte estaiada da Marginal do Pinheiros, prédio-carambola de Ruy Ohtake, Minhocão, arranha-céus da região da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, Mercado Municipal. Nada disso chamou a atenção do grupo de três arquitetos estrangeiros e um brasileiro convidados pelo Estado para um passeio por São Paulo. De câmera na mão, eles tinham uma única idéia na cabeça: capturar imagens que traduzissem a capital. O que acabou atraindo o olhar estrangeiro foram as disparidades urbanísticas dos edifícios altos ao lado de sobradinhos, o trânsito surreal da quarta-feira véspera de feriado, grades protegendo as casas da Vila Madalena ou ainda as árvores gigantes de Pinheiros, na zona oeste, e as respectivas calçadas arrebentadas pelas raízes. "Por que árvores de selva no meio da cidade?", brincou o holandês Haiko Meijer, de 46 anos, apontando para uma das figueiras da Praça dos Omaguás, na zona oeste. Meijer é um arquiteto badalado em seu país. Cria projetos ousados, de madeira, vidro e metal, edificações que fazem alusão à cultura pop. Esteve em São Paulo pela primeira vez como convidado da 7ª Bienal Internacional de Arquitetura, evento do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) que vai até 16 de dezembro. Os demais passageiros da van que percorreu algumas ruas da cidade tinham em comum com Meijer apenas o total desconhecimento do território onde pisavam. O arquiteto dinamarquês Henrik Valeur, de 41 anos, trabalha no planejamento de cidades-satélite em Shangai, China. A suíça Corinna Menn, de 33, atua no setor de infra-estrutura urbana e mora em uma pequena cidade a uma hora de Zurique. O arquiteto paulista Paulo Henrique Paranhos, de 48, vive em Brasília desde 1970. Premiado, quando vinha a São Paulo não saía dos Jardins. A primeira impressão dos quatro foi a de estranhamento. Difícil entender o planejamento de São Paulo. "É uma espécie de desconstrução do urbanismo", observou Corinna. "Não é muito fácil de entender onde ficam as zonas comercial e residencial, casas e prédios, tudo parece estar junto. As edificações não respeitam também a geografia da cidade, as colinas, os vales. É como se um grande carpete tivesse sido colocado por cima", analisou a arquiteta. Para a jovem suíça, a imagem final da cidade foi o contraste. Por isso, ela elegeu os barracos do Jardim Edite, na zona sul, com os "arranha-céus americanos atrás", como a melhor tradução de tudo o que viu e experimentou. "Os caminhões passam pelo meio da cidade por quê?", questionou Corinna. CRIATIVIDADE A profusão de estilos e cores das fachadas revelou a Meijer criatividade, mas também individualismo, falta de preocupação com o coletivo, com a harmonia do conjunto. Ele se disse particularmente atraído pelo fato de uma quadra paulistana conter edificações de escalas e volumes tão distintos um dos outros. "A pior e a melhor arquitetura do mundo dividem espaço. É uma sensação de que você pode experimentar o que quiser numa única quadra. É uma floresta urbana, um urbanismo de selva", disse o arquiteto, perguntando como era a geografia da capital antes de virar o que é. Na passagem pelo Elevado Costa e Silva, no centro, o dinamarquês Henrik Valeur ignorou o viaduto para observar as pessoas dentro dos carros. "Há dois tipos de moradores aqui: o que vai de carro, fechado e com olhar de medo, nervoso, e as pessoas das calçadas, risonhas, com roupas de verão, alegres", observou Valeur. E o Minhocão, é uma aberração? "Em Shangai, há vários desses, mas não tão próximos dos prédios." Para o arquiteto, São Paulo apresenta todos os problemas de uma grande metrópole mundial, mas, ao contrário das outras, oferece igualmente todas as possibilidades de mudança, de melhoria de qualidade de vida da população. "Vocês gostam dessa transformação toda que vemos, tantos prédios novos, tantas construções? Vocês aprovam o destino para o qual a cidade está indo?", questionou. Na passagem pela Vila Madalena, na zona oeste, Valeur observou a criatividade das fachadas, dos grafites do Beco do Batman. "Como pode essa gente tão criativa parecer amedrontada dentro dos carros?", voltou a inquirir. Já o holandês Haiko Meijer foi mais objetivo na pergunta: "Por que algumas casas têm grades e outras, não?" Ambos não engoliram muito bem a resposta de que as sem grades eram comércios e o recurso era usado como proteção à violência urbana. Único brasileiro, Paulo Henrique Paranhos já venceu concursos até no Japão. Durante o passeio, preferiu ouvir os comentários a fotografar. No fim, observou: "Esta é uma cidade que deve ser vista como algo em movimento, em transformação. Novas construções, as pessoas andando nas ruas, é tudo muito dinâmico. Esta é a característica daqui", comentou. Ao lado do curador da Bienal, José Magalhães Júnior, ele considerou o passeio tão importante quanto os debates do evento, que discutiu este ano o tema Arquitetura: o Público e o Privado. "A cidade está nos atropelando. Temos de mudar paradigmas para fazer alguma coisa por ela", concluiu Paranhos. FRASES Haiko Meijer Holanda "É uma sensação de que você pode experimentar o que quiser numa única quadra de São Paulo" Corinna Menn Suíça "É uma espécie de desconstrução do urbanismo" Henrik Valeur Dinamarca "Como pode essa gente tão criativa parecer amedrontada dentro dos carros?"

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