Adolescente que foi preso a poste vai para abrigo no Rio

Morador acusado de agressão admitiu 'caçar vagabundo roubando para meter porrada'

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Por Fabio Grellet e Thaise Constancio
Atualização:

RIO - O adolescente de 15 anos torturado e preso pelo pescoço a um poste do Aterro do Flamengo com uma tranca de bicicleta, na sexta-feira, estava desde o dia 25 de janeiro em um abrigo da prefeitura, no centro do Rio. Ele já conhecia a diretora da unidade e aguardou ela voltar de férias nesta quarta-feira, 5, para narrar as agressões que sofreu. Após conversar com a diretora, o adolescente prestou depoimento à Polícia Civil e será conduzido a um abrigo.

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Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, responsável pelo primeiro abrigo, o rapaz voltou para lá após fugir do Hospital Souza Aguiar, no centro, onde foi atendido após ser libertado por bombeiros do poste. O menor já foi apreendido duas vezes pela polícia por furto e agressão.

De acordo com relato do adolescente à diretora, ele e três amigos seguiam para a Praia de Copacabana, pela Avenida Rui Barbosa, na sexta-feira à noite, quando foram abordados por cerca de 30 pessoas em 15 motos. Os quatro tentaram fugir, mas ele e outro menino pararam ao ver um dos homens armados com uma pistola 9 mm e foram capturados. Segundo o relato, os dois apanharam e o amigo conseguiu fugir. O adolescente foi, então, preso ao poste. Os agressores escaparam.

Moradores do bairro viram o adolescente, avisaram a coordenadora da ONG Projeto Uerê, Yvonne Bezerra de Mello, e ela chamou os bombeiros. Yvonne prestou depoimento sobre o caso e afirmou estar sendo ameaçada de morte e ofendida em redes sociais, chamada de "protetora de bandido". "Fiz um ato solidário a um desconhecido, e agora a cidade está contra mim. Estou de saco cheio dessa sociedade", desabafou a coordenadora, ao chegar à delegacia.

'Justiceiros'. O morador do Flamengo, de 22 anos, que admitiu em depoimento "patrulhar o Aterro em busca de autores de delitos", publicou no Twitter, em 9 de janeiro, o "novo esporte" que tinha começado a praticar com os amigos: "caçar vagabundo roubando para meter a porrada". Na rede social, Lucas Correia Pinto Felício afirmou que estava com "vontade de comprar uma arma e dar tic tac nesses vagabundos todos".

Em seu perfil no Twitter, Felício também publicou a seguinte mensagem: "Vou caçar mais de um milhão de vagabundo (sic) por aí, eu só quero bater em você e quando acordar vou te matar rs". Nenhum dos 220 seguidores de Felício comentou ou replicou as postagens. A última mensagem do perfil é de 14 de janeiro. Ele é um dos dois detidos na segunda sob acusação de tentar agredir dois jovens. Em depoimento à polícia, os detidos confirmaram ter marcado um encontro pelo Facebook para fazer a "patrulha". Procurado pela reportagem, ele não foi localizado.

O caso dos chamados "justiceiros" veio à tona com a divulgação da foto do adolescente de 15 anos que foi espancado e preso sem roupa pelo pescoço, com uma tranca de bicicleta, a um poste da Avenida Rui Barbosa, no Flamengo. A polícia ainda investiga se há relação entre os dois casos.

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No Facebook, quase 700 pessoas aderiram em apenas um dia à página que pede a abertura de um inquérito para identificação de todos os integrantes do grupo. Os criadores classificam o "suposto ato de justiça" do grupo como "reação bárbara de humilhação extrema (que) entra em choque com qualquer princípio básico de humanidade". "Não há dúvidas que essa reação de extrema violência contra a integridade moral deste indivíduo foi igualmente criminosa ao suposto assalto. Acredito que pessoas do bairro, vítimas dos assaltantes ou parentes das vítimas tenham se cansado desse problema crônico e tentaram solucioná-lo. O resultado foi desumano", afirmou João Pedro Orvelin Soares.

O internauta João Batista Heringer Soares defendeu a ação dos jovens. "Já que o Estado é omisso, e aí o recorde de assaltos (para comprovar), o povo tem que reagir. Quem tiver pena de bandido que adote um."

Integrantes do grupo acusam os membros das páginas "Reage Flamengo! Queremos nosso bairro de volta", cuja imagem é a de um homem armado, e "Bairro do Flamengo", com mais de 2 mil participantes, de apoiarem os "justiceiros". As páginas, que eram abertas ao público, foram fechadas na segunda-feira e só podem ser acessadas pelos membros.

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