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Água do Rio Doce tem qualidade péssima 80 dias após rompimento de barragem

Análise feita em 18 pontos pela SOS Mata Atlântica apresenta níveis bastante elevados de turbidez e presença de metais pesados, como magnésio

Por Giovana Girardi
Atualização:

SÃO PAULO - Passados 80 dias desde o rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana, que despejou uma onda de lama sobre a região, chegando até o oceano, a qualidade da água do Rio Doce e afluentes atingidos continua, em sua maioria, péssima.

Lama presente nas margens do Rio Doce está sendo carregada para a água com as chuvas, impedindo a recuperação do rio Foto: GABRIELA BILO | ESTADAO

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É o que mostra uma análise feita pela Fundação SOS Mata Atlântica em 29 amostras de água e de lama coletadas em 18 pontos afetados pelo acidente ambiental, cobrindo 650 km de rios. Entre os pontos avaliados, 16 apresentaram Índice de Qualidade da Água (IQA) péssimo e 2 foram considerados regular. Contribuíram com as baixas notas a turbidez da água e a presença de metais pesados em concentrações acima das consideradas saudáveis.

Antes do acidente as condições do rio já não eram muito boas, em especial por causa da contaminação por esgoto e metais provenientes de atividades mineradoras no entorno, mas o mar de lama piorou muito a situação, afirma Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da fundação. Segundo ela, não há dúvida de que os indicadores observados nesse levantamento são resultado da contaminação pelos rejeitos de minério da Samarco.

Para checar isso também foram feitas coletas em afluentes do Rio Doce antes da área do rompimento da barragem, que serviram para comparar com os pontos afetados. Foram eles que receberam a nota “regular”. “Nesses locais há concentração de metais, mas não acima do que prevê a lei. O material que saiu da barragem alterou completamente a qualidade da água. Dá para garantir com segurança que a condição ruim da água até Regência é consequência do rompimento da barragem”, explica Malu.

Em todos os 16 pontos considerados “péssimos”, por exemplo, o índice de turbidez ficou muito acima do aceitável, que é 40 NTUs (unidade matemática que mede esse indicador). Em Bento Rodrigues, onde ficava a barragem, e em Barra Longa, um dos locais mais atingidos pela lama, esse valor chegou a 4.800 e 5.150 NTUs, respectivamente. O nível mais baixo foi registrado em Itatinga (1.220), ainda assim 30 vezes o limite máximo.

O metal mais encontrado nos pontos analisados foi o magnésio. Entre os 16 pontos “péssimos”, em 14 o nível ficou acima do recomendado, que é 150 mg/litro. Em Bento Rodrigues, por exemplo, a concentração chegou a 270 mg/litro. É o magnésio, juntamente com o ferro, que dá a coloração alaranjada para a lama. Outro metal que apareceu acima do recomendável foi o manganês, em 8 dos 16 pontos ruins.

Malu lembra que isso não significa que a lama seja tóxica, expressão que foi atribuída várias vezes nos dias seguintes ao acidente. “Esses metais pesados são encontrados na natureza em geral em concentrações que não afetam a saúde. Mas as coletas mostraram que há vários pontos fora do padrão, o que torna a água imprópria para o consumo humano e animal. Podem afetar rins, estômago”, diz.

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Persistente. Ela afirma que o que mais impressionou nos resultados, no entanto, foi a persistência da lama. Esperava-se que com o início das chuvas ela iria se dispersar, mas não foi o que aconteceu. Pelo contrário, a lama que caiu nas margens agora está sendo carreada para dentro da água. E mesmo a que já tinha se depositado no leito não está diluindo. Ao longo das coletas, os pesquisadores encontraram depósitos de sedimentos de 40 centímetros a 3 metros de altura. “A lama está impermeabilizando o leito do rio e mesmo com as chuvas não vemos o rio se regenerar. E para piorar ele segue recebendo mais metais pesados da lama do entorno”, relata.

As coletas foram feitas entre os dias 6 e 12 de dezembro, em uma expedição que contou com o apoio da Ypê Química Amparo, da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, da ProMinent Brasil e de outros grupos de especialistas voluntários, como o Giaia (Grupo Independente de Avaliação de Impacto Ambiental). As análises foram feitas logo depois e repetidas na semana passada. Nessa segunda etapa, as amostras chegaram a ser misturadas à água destilada, mas as concentrações se mantiveram. “Por isso podemos dizer que passados 80 dias do acidente o rio continua com as mesmas condições de turbidez. Para recuperar essa água é preciso retirar a lama das margens”, alerta.

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