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Amor ao samba une rivais na avenida

Passista aplica prótese de silicone e baiana supera problemas de saúde para brilhar

Por Agencia Estado
Atualização:

Uma tem menos da metade da idade da outra. Enquanto uma tem predileção pelo verde e rosa, a outra, prefere o verde e branco. Em comum, a emoção de representar a escola do coração na Sapucaí. A história de Queila Mara Ferreira dos Santos começou quando tinha 10 anos e quase deixava maluca sua mãe, dona Norma. Em uma pequena casa na comunidade do Jacarezinho, zona norte do Rio, esperava sua mãe adormecer, roubava a chave e, junto com seu irmão, Jean Carlos, fugia de casa para sambar. Hoje, com 30 anos, passista há 20, e atual destaque da Estação Primeira de Mangueira, Queila ri quando lembra da história. ?A minha mãe brigava comigo, porque não queria que eu saísse à noite. Mas não tinha jeito. Era o samba, sabe?? Até chegar no alto do carro abre-alas da Mangueira, terceira escola a desfilar na Marques de Sapucaí este ano, Queila realizou uma corrida tão rápida e célere quanto seus passos de passista que hipnotizam o público na Sapucaí. Antes dela, pela avenida havia passado dona Eni Oliveira da Silva. Vestida a caráter na ala das baianas, dona Eni girava com toda a força dos seus 64 anos no mesmo ritmo de seu grande amor, a Escola de Samba Império Serrano. ?Outro dia, o médico veio dizer para mim: ?Dona Eni, a senhora tem problema de labirinto e tem que parar de girar?. Mas eu disse: ?Doutor, sou uma baiana. Minha vida é um giro?, contou, ontem, enquanto se preparava para mais um desfile na Marquês de Sapucaí. Contra as advertências do médico, que agora, reclama, ?também inventou um problema no nervo ciático? para ela, dona Eni passou os últimos 27 anos girando pela Império Serrano. Mas, para atingir o rodopio perfeito pela Marquês de Sapucaí, a baiana verde e branca enfrenta uma longa rotina até o ruído da sirene que anuncia a entrada da escola na avenida - um ritual que repetiu ontem, com prazer. Como sempre, a jornada de dona Eni começou logo depois que ela acordou, na casa (também verde e branca) onde mora no bairro de Turiaçu, zona norte. Checou fantasia e adereços, fez a maquiagem, e arrumou o cabelo, com todo o cuidado, para ajudar a embelezar ainda mais a fantasia. Como este ano a Império era a segunda escola a desfilar no primeiro dia, teve que ser rápida e sair de casa às 16 horas. Quem a ajudou a se preparar foi sua irmã, Cecília Oliveira da Silva, de 46 anos, que também participa do desfile, na equipe de apoio da escola. ?Minha outra irmã, Lucia Helena, também desfila na ala da comunidade, e a minha neta Lorena, de 9 anos, vai pela Ala das Crianças?, contou, orgulhosa, acrescentando que o marido, Paulinho Careca, é diretor de harmonia da escola. A maratona de Queila começou bem antes do dia do desfile. ?Queria estrear uma nova comissão de frente este ano, sabe? Então, botei peito?, disse, referindo-se às duas próteses de silicone. Queila entrou pela primeira vez no consultório de cirurgia em uma quarta-feira, dia 24 de janeiro, e marcou cirurgia para o sábado, 27. ?Só faltava o dinheiro. Pedi para a minha mãe e ela disse que só dava a metade. Mas aí pedi o resto para o meu namorado (o diretor da Mangueira Edson Marcos)? disse, contando às gargalhadas que, até hoje, a mãe brinca com ela, dizendo que ?é dona de um dos peitos? da filha. Com a nova ?comissão de frente?, Queila teve que passar por um período de repouso absoluto para se recuperar da cirurgia até o grande dia do desfile. Toda a calma dos dias de resguardo, porém, desapareceu tão rápido quanto os rodopios que a passista oferece ao público da Apoteose. Ontem, Queila acordou cedo, fez o cabelo, saiu de sua casa, no bairro de Abolição, zona norte, e atravessou a cidade até Copacabana. Ali, seria maquiada por Davidson Zanine, de 34 anos, profissional e amigo de Queila há anos. Depois, atravessa a cidade de novo, de volta para sua casa na Abolição, onde experimenta a fantasia, dá os últimos retoques até sair de casa, às 20 horas, com os adereços no carro, prontos para serem vestidos próximo à hora do desfile, por volta de meia-noite. Todo ano, dona Eni segue o mesmo roteiro dos anos anteriores. Embala com carinho a fantasia, que pesa mais de dez quilos, para ser transportada até a Apoteose. Sorridente, com toda a alegria de quem vai viver seu grande dia, anda de sua casa até o ponto de ônibus, onde pega o 254 (Madureira-Praça XV) que a deixa ?pertinho, pertinho? da Apoteose. Assim, quando ocorre o espocar dos primeiros fogos de artifício, que prenunciam o início do desfile da Império, o batuque dos instrumentos na Marques de Sapucaí se mescla com a primeira batida forte, a batida real, do coração de dona Eni. ?É forte demais. Tenho vontade de chorar! É muita emoção. É sempre a mesma emoção, mesmo depois de 27 anos?, conta, com um brilho nos olhos. A descrição de Queila não é diferente: ?Quando os fogos começam, começo a sambar. Mas as lágrimas acabam vindo. Tento segurar, porque não quero estragar a maquiagem, mas, às vezes, não consigo. Meu corpo fica todo arrepiado?, diz. (Colaborou Roberta Pennafort)

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