‘Até hoje não teve corpo nem conclusão’, diz mãe de desaparecido

Terezinha Caroli seguiu até informações falsas atrás do filho; País tem 8 registros do tipo por dia

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Por Priscila Mengue
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SÃO PAULO - Delegacias, Institutos Médicos Legais (IMLs), hospitais e até a Cracolândia são parte de um itinerário cotidiano para famílias que registraram os cerca de 242,5 mil boletins de desaparecimento no Estado de São Paulo entre 2007 e o ano passado. Terezinha Caroli circulou por toda a capital centenas de vezes desde que Pedro Luís Caroli, de 18 anos, sumiu no trajeto de casa até o trabalho, em maio de 2009. Seu marido chegou a apressar a aposentadoria para participar das buscas.

Pedro Luís Caroli sumiu no trajeto de casa até o trabalho, em maio de 2009 Foto: Desaparecidos do Brasil.org

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Naquela noite, Terezinha foi ouvir os recados na caixa de mensagens do telefone de casa. Todas as ligações eram da farmácia em que o garoto trabalhava, enquanto concluía o último ano do ensino médio. Ele, que sempre teve conduta responsável, havia faltado sem avisar e não atendia ao celular.

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Com o marido, a mãe foi à Polícia Civil. Amigos foram ouvidos - um levantou a hipótese de ter relação com uma garota com quem Pedro teria se envolvido, mas as descobertas não foram adiante. “Acabei aceitando. A gente fica desnorteada nos primeiros dias, fica sem noção nenhuma”, lembra.

Um promotor disse que “tudo indica que foi um homicídio”, segundo Terezinha. “Até hoje não teve corpo nem conclusão. Não teve nada, sabe o que é nada?”, lamenta a mãe. 

Com o adoecimento e a morte do marido, suas buscas cessaram. “Ele queria muito uma resposta. Queria uma notícia antes de partir. Fiquei sem expectativa”, diz ela, que foi atrás de muitas falsas pistas do paradeiro do filho. “Às vezes parecia que queriam brincar com isso”, diz.

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Estatísticas

Só no ano passado, houve 24.333 mil registros de desaparecimento no Estado - número 59,1% maior do que o registrado em 2007, de acordo com dados do Anuário de Segurança Pública divulgados nesta segunda-feira, 31. No âmbito nacional, o crescimento para o período é ainda maior, de 67,1%, chegando a 693.076 boletins em dez anos, o que equivale a uma taxa de 8 registros de desaparecimento por hora no País. De todos os Estados, o único que reduziu (em 32,8%) é o Espírito Santo - 1.840, em 2007, para 1.236 no ano passado.

Os organizadores do levantamento alertam, porém, para o fato de os registros de desaparecimentos não entrarem em um cadastro único. Por isso, pode haver casos em que o mesmo desaparecimento é notificado duas vezes quando, por exemplo, dois parentes avisam à polícia sobre o sumiço da pessoa.

Além de Terezinha, o Estado conversou com outras duas mães de desaparecidos. A dona de casa Maria de Fátima da Silva, de 60 anos, conseguiu falar apenas durante alguns minutos, por causa da emoção ao se lembrar do dia em que o filho, Robson, de 24 anos, não voltou para casa.

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“Era um filho muito bom, um menino bonito, chamava a atenção das meninas”, repetia. “É muito difícil. (Achar alguém) Depende de muita ajuda, uma ajuda que a gente não tem. Mas a gente tem fé em Deus de que um dia ele será descoberto.”

Cuidadora e costureira, Josefa Gomes de Souza, 58 anos, também se lembra da filha como uma garota muito bonita. Segundo ela, Daniele Souza, de 18 anos, era tão bonita que o delegado e outros funcionários da Polícia Civil demoraram a acreditar que ela havia sumido.

“Levei umas fotos dela para mostrar. O investigador riu na minha cara. Dizia que ela estava na gandaia com algum namorado”, conta Josefa. 

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A costureira se lembra das vezes que saiu com a foto da filha nas mãos, com o marido. “Ninguém viu, ninguém sabe de nada”, resume. “Procuramos minha filha dia e noite por dois anos. Ia a todos os lugares, de noite, dentro de favela, em praça, até de madrugada, mas notícia dela eu nunca tive”, relata a mãe. 

Por cinco anos, a busca se somou a de outras integrantes do Movimento Mães da Sé, que dá apoio a famílias de pessoas desaparecidas. Josefa ia para a praça com fotografias da garota. Depois, percorria ruas próximas em busca de pistas sobre a jovem.

“O tempo foi passando, fui deixando de ir e perdendo a vontade. Não tenho mais a saúde que tinha antes, mas a gente fica pensando se ela está viva ou morta. Se está viva, quem sabe um dia aparece. Se estiver morta, que venham os restos dela”, conclui a mãe. 

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