Brasileiro saiu da Bahia para brilhar na dança contemporânea em Miami

Sorte e oportunidade são palavras que sempre regeram a vida do bailarino Augusto César de Abreu Farias Soledade. Quando fez 12 anos, ele pediu de presente de aniversário um curso de inglês. Era a oportunidade de aprender um idioma que o encantava. Cinco anos depois, quando havia acabado o colegial e passado no vestibular, outra oportunidade: fluente em inglês, passou no teste para fazer um intercâmbio nos Estados Unidos, trancou a matrícula e foi para Wisconsin.

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Por Redação
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E assim tem sido durante seus 49 anos: uma sequência de oportunidades - que muitos chamam de sorte, mas que para ele são sonhos e metas realizados a cada etapa de sua vida com muita garra, determinação e paixão.

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"Eu tinha um sonho de conhecer os EUA, mas muito mais porque, quando comecei a estudar inglês, conheci a cultura. Sempre tive a curiosidade", conta hoje um dos mais renomados coreógrafos e diretores de dança contemporânea em Miami. "Desde garoto, eu gostava muito de olhar mapas, aprender as capitais dos países. Eu imaginava os lugares."

Lugares pelos quais Augusto passou, conheceu e morou nos últimos 20 anos, entre eles, os Estados de Nova York, Massachusetts, Michigan e Flórida.

Em 2004, ele prestou concurso para dar aula de dança na Florida International University, foi selecionado e aterrissou em Miami, onde já conquistou um edital dos mais cobiçados da Fundação Knight, vários prêmios como o tradicional Guggenheim e, na semana que vem, sua companhia Augusto Soledade Brazzdance se apresenta no Aventura Arts & Cultural Center com o espetáculo Da-Da.

A essência dessa nova coreografia é o ritmo como conceito que conecta as pessoas de várias culturas, diz Augusto, cuja trajetória profissional nos Estados Unidos tem como foco o afro-brasileiro e o multicultural.

"Por ser nascido e criado na Bahia, eu cresci com o ritmo afro-baiano", diz. "Mas exatamente por ser um coreógrafo que viaja o mundo inteiro e que tem um interesse global, na humanidade, eu tento buscar elos de ligação entre a minha cultura e outras."

Desta vez, a grande influência de Da-Da vem da música e dança flamenca. Mas a identidade cultural de suas coreografias varia.

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O espetáculo Cordel, por exemplo, que ele montou em 2011 e que, para sua alegria, também foi apresentado no Vivadança Festival Internacional no ano passado na Bahia, é uma mistura do tango argentino e hip-hop americano.

"Meu interesse não é só introduzir espetáculo para brasileiros, não é só reproduzir uma coreografia que represente a cultura brasileira", diz. "Eu me vejo realmente como um cidadão do mundo. Acho que se ainda estivesse no Brasil provavelmente estaria produzindo esse mesmo tipo de trabalho."

Mas isso nem sempre foi claro para o bailarino, que começou carreira de dança aos 25 anos, considerado tarde para os padrões da profissão, mas que, para ele, só foi mais um desafio que superou na vida.

Quando acabou o colegial, Augusto prestou vestibular para artes plásticas na Universidade Católica do Salvador e para comunicações na Universidade Federal da Bahia, que já tinha a renomada Escola de Dança, na direção de Dulce Aquino. Mas ele não se interessou na época.

Dança não estava nos seus planos profissionais, apesar de sempre adorar o meio. Desde pequeno, assistia encantado à tia, a dançarina Wanda Soledade, participar de várias produções da Oficina Nacional de Dança Contemporânea da Bahia.

Mas Augusto não imaginava que a dança tomaria essa proporção na sua vida. Preferia a arte na forma de pintura e desenho.

Começou na Católica, mas, para manter a vaga enquanto estivesse no intercâmbio, teria que pagar a mensalidade. Acabou transferindo a matrícula para UFBA e cursando um semestre em jornalismo antes de trancar e seguir para os EUA, em 1983.

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A experiência aqui abriu sua mente para o mundo, queria viajar, conhecer outras culturas. E, entre trancos e barrancos, se formou em 1989. Mas o diploma só serviu anos depois como um documento necessário para fazer o mestrado em dança em Nova York.

Logo em seguida, em 1990, começou na Escola de Dança na UFBA, e mais uma vez, a sorte, a oportunidade e o destino mudaram sua vida.

Estava lá o americano Clyde Morgan, casado com uma baiana, que morava parte do tempo no Brasil na posição de coreógrafo e diretor artístico na UFBA. Quando Morgan estava prestes a voltar para o Estados Unidos, em 1993, convidou o jovem dançarino para passar uns meses em Rochester, no Estado de Nova York, e conhecer as tendências da dança daquela região.

O filho mais velho de Augusto, Ianic, hoje com 21 anos, tinha nascido no primeiro dia daquele ano. Mas ele não poderia deixar mais essa oportunidade escapar. Largou a faculdade e, em dezembro, seguiu de novo rumo aos EUA. Mas, em seis meses, a saudade da família era grande e voltou ao Brasil, mas seu tempo no país durou pouco.

Logo depois, Augusto se candidatou ao programa de mestrado em dança na State University of New York - College of Brockport, onde Morgan lecionava e onde também estava o jamaicano Garth Fagan, coreógrafo afro-americano, um ídolo para ele.

Como tinha o diploma de bacharel da faculdade em comunicações, pode seguir adiante com o curso de pós-graduação. Foi aceito para o mestrado, e retornou aos Estados Unidos em 1995 com bolsa de estudos integral e trabalho como assistente de professor, com salário fixo. Ele chegou em Brockport, no Estado de Nova York, com o filho e sua mulher, Virgínia, hoje sua ex-esposa e mãe dos seus três filhos. Todos, atualmente, moram em Miami.

"Em todo o meu processo em dança, nunca busquei na verdade uma recompensa. Eu fazia porque amava. Entendi a grande paixão que tinha pela dança", conta. "Sentia um grande prazer no que fazia e acho que isso fez com que as oportunidades fossem aparecendo e fui aceitando."

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Augusto dançou num palco pela última vez em 2009. Mas são os holofotes das suas conquistas que o iluminam.

"Quando comecei a fazer dança, comecei a me entender enquanto corpo físico e fiquei completamente apaixonado pela experiência porque mexia de uma forma muito completa comigo", diz o dançarino, que hoje dirige e coreografa os espetáculos de sua companhia e é professor efetivo de dança na Nova Southeastern University na Flórida.

A Brazzdance faz cerca de três apresentações por ano e é registrada como uma entidade sem fins lucrativos, podendo receber doações que descontam no imposto de renda e participar de editais para arrecadar verba para programas especiais.

Um deles é o Miami Dance Mecca, um projeto apoiado por um dos mais almejados editais da região, o Knight Arts Challenge, da Fundação John S. and James L. Knight, uma iniciativa para desenvolver programas que transformem a comunidade através da arte.

A Brazzdance recebeu, em 2012, US$ 45 mil para criar iniciativas que tornem Miami, de fato, uma meca da dança contemporânea.

Um dos projetos para essa disseminação e conscientização é uma exposição de fotos dos dançarinos da companhia num dos saguões internacionais do aeroporto de Miami.

"Se quero construir essa visibilidade, tenho de ir para o espaço público. Não adianta ficar com uma exposição de fotos apenas em uma galeria", diz Augusto, que chamou renomados fotógrafos, como Mitchell Zachs e a brasileira Jade Matarazzo, para essa mostra de 30 fotos que estarão expostas no Miami International Airport - terminais E e D - até maio ou início de junho.

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"É um sonho eu saber que vivo do que eu amo, de uma coisa pela qual eu tenho uma grande paixão", diz o baiano que ainda espera um dia criar a "Casa da Dança" em Salvador. "Acho que minha missão é fazer com que a dança continue sempre, a dança enquanto arte."

No vídeo, Augusto Soledade reflete sobre o segredo do sucesso de um bailarino:

Augusto Soledade revela aqui o segredo do sucesso de um bailarino. Por Chris Delboni. from Chris Delboni on Vimeo.

 

Serviço:

"Da-Da"

Apresentações: 4 e 5 de abril, às 20 horas

Ingresso: US$ 35,00

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Endereço: Aventura Arts & Cultural Center

3385 NE 188th Street Aventura, FL 33180

Para mais informações ou ticket: https://www.aventuracenter.org/online/default.asp?doWork::WScontent::loadArticle=Load&BOparam::WScontent::loadArticle::article_id=48B09C29-31D7-4A0A-88E1-A88271CE7DDC

Para mais informações sobre a companhia de dança Brazzdance, visite: http://brazzdance.com

Twitter @chrisdelboni

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