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Casos de câncer são vistos como ‘rotina’ em Lagoa Real

Segundo secretário, maior parte dos recursos de saúde vai para essa área, mas ligação com radioatividade é incerta

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Por André Borges
Atualização:
'Doença é coisa que anda no mundo, seu menino', diz moradora Foto: Dida Sampaio/Estadão

Ao longo da estrada de terra que deixa a praça central de Lagoa Real e avança para a zona rural do município, onde vivem 80% de seus 15 mil habitantes, a caatinga é cortada por uma série de casas de taipa, erguidas com barro e madeira. Muitas delas, conforme pôde ser verificado pela reportagem, foram abandonadas por famílias que enfrentaram casos fatais de câncer. 

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Estudos realizados até agora não apontam vínculo entre a exploração da mina de urânio pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e os casos de câncer na região. O crescimento de tratamentos relacionados à doença, no entanto, já é claramente sentido pela prefeitura de Lagoa Real.

O secretário municipal de Meio Ambiente do município, Willike Fernandes Moreira, relata que os casos de câncer passaram a ser tão frequentes no município que atualmente absorvem a maior parte dos recursos que a prefeitura dispõe para a área de saúde. Como são complexos, o dinheiro é gasto com as duas ambulâncias da cidade, que levam pacientes para serem tratados em Salvador, a 620 quilômetros de distância, ou até mesmo em São Paulo, a 1.420 quilômetros. “É uma situação grave. Nós não temos dados oficiais de câncer na região, mas sabemos que está matando muito”, diz Moreira. 

“Já são uma rotina de assistência para a prefeitura, infelizmente. Às vezes, conversamos com os motoristas das ambulâncias. Eles ficam abismados com o número de biópsias”, diz o secretário. “Há mais de 15 anos, não se ouvia falar nisso. Agora é o tempo todo, mas a causa disso a gente não sabe qual é. Não podemos culpar ninguém, nem mesmo o urânio. Mas que é algo muito preocupante, isso é.”

Em Caetité, na comunidade conhecida como Riacho da Vaca, ao lado da mina de urânio da INB, mora Elenilde Alves Cardoso, que há 19 anos é agente da Secretaria Municipal de Saúde. Seu trabalho é visitar a população local, identificar problemas de saúde e dar encaminhamento. “Temos só 50 famílias nessa vila, 180 pessoas. Dessas, 27 passaram a ter problemas de hipertensão”, disse. “Tem acontecido de crianças nascerem com anomalias. Também é muito comum animais nascerem com problemas de formação. No último ano, tivemos dois casos de óbito por causa de câncer.”

Morador de Lagoa Real, Sebastião José Gerino conta que, dois meses atrás, sua filha, que está grávida de 7 meses, perdeu o marido, de 33 anos. Entre a descoberta do câncer e a morte, foram 45 dias. “As pessoas falam muita coisa sobre as causas da doença, mas é difícil saber o que aconteceu”, disse.

Fiocruz. Um relatório divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em abril de 2014 se propôs a fazer um levantamento de casos de câncer na região, mas enfrentou limitações, por causa das dificuldades em coletar dados oficiais. O estudo, que teve participação da organização francesa Commission de Recherche et d’Information Indépendantes sur la Radioactivité (Criirad), registrou oficialmente 21 casos de câncer na região da mina de urânio entre 2005 e 2014. Outros 113 casos foram levantados desde o início da exploração da mina, em 2000, mas não puderam ser confirmados, por causa de restrições, como falta de documentação fornecida pela família. 

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Segundo os especialistas, é comum a situação em que óbitos e tratamentos de câncer são registrados em outros locais, como Salvador e São Paulo, para onde segue a maioria dos pacientes. Moradora a poucos metros da cerca que delimita a área restrita da INB, Vidália Maria de Jesus, de 62 anos, diz que apoia a presença da INB. “As pessoas falam da água daqui, mas a gente ouve da INB que não tem problema. Então, eu acho que não tem mesmo. Doença é coisa que anda no mundo, seu menino. Não fica parada assim não”, afirma ela, que também tem um filho empregado nas instalações da estatal federal.

“Eles ajudam a gente, trazem uma cesta básica de vez em quando, dão um pão pra gente, então não pode reclamar, não está certo”, diz Vidália. “Eu vou construir uma casinha bem ali, do lado da mina.”

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