Com 137 mortes em oito dias, Espírito Santo apura execuções em meio a motim

Entre as vítimas, há casos de homicídio por encapuzados e relacionados à disputa de tráfico, conforme policiais civis e testemunhas; existe receio de grupos de extermínio. Secretaria também investigará participação de policiais

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Por Vinicius Rangel
Atualização:

VITÓRIA - Com uma média diária de 17 assassinatos nos últimos oito dias, o Espírito Santo terá o desafio de investigar execuções e a atuação de grupos de extermínio no período em que policiais militares, em motim, se aquartelaram. Há, entre as vítimas, casos de assassinatos orquestrados por grupos encapuzados e relacionados à disputa de tráfico de drogas, segundo policiais civis e testemunhas. 

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O secretário de Segurança Pública capixaba, André Garcia, confirmou anteontem que o serviço de inteligência vai apurar a participação de policiais militares e civis, ativos e aposentados, nas mortes. Segundo ele, se confirmado o envolvimento, o responsável será tratado como um “bandido”. A ação de esquadrões de extermínio na Grande Vitória é investigada.

Na década de 1990, o grupo Le Cocq – que tinha como membros policiais, políticos, advogados e empresários – foi acusado pelo Ministério Público de ser responsável por execuções no Espírito Santo. Para fonte da Polícia Civil ouvida pelo Estado, é baixa a possibilidade as mortes recentes serem de autoria do Le Cocq. Para o investigador, porém, é grande a chance de militares estarem por trás das execuções. Nos últimos anos, a polícia tem investigado e capturado integrantes de novos esquadrões da morte no Estado. 

Segundo o presidente do Sindicato dos Policiais Civis capixaba, Jorge Emílio, grande parte dos homicídios é motivada por disputa pelo tráfico de drogas e acertos de contas. A maioria é de execuções, em que a arma usada é a de fogo, seguida por facas e pedaços de madeiras. 

“Grande parte (das vítimas) já possui registro na polícia e tem envolvimento com tráfico de drogas ou com a criminalidade nesses bairros”, afirmou Jorge Emílio. No Departamento Médico Legal (DML) de Vitória, já superlotado, a maioria dos cadáveres é de homens. 

Jovens alvejados. Na noite de quarta-feira, por exemplo, quatro jovens foram alvo de tiros em Vila Velha, na Grande Vitória. Segundo testemunhas ouvidas pela polícia, encapuzados cercaram o grupo e mandaram que todos se deitassem, para depois atirar. Os quatro teriam envolvimento com o tráfico e seriam de gangue rival. 

Outro caso é o do porteiro Paulo Victor Ramalhete, de 33 anos. A família foi avisada por vizinhos que ele estava com amigos em uma praça em Vila Velha quando atiradores o mataram. “Ele nunca recebeu ameaças, mas sei que ele tinha envolvimento com o tráfico. Já chegou a ser preso, mas não deve nada à Justiça agora”, disse o pai da vítima, que pediu anonimato. “Nossa família está desamparada.” 

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Em Linhares, Dies Gomes, de 27 anos, estava em um bar quando foi chamado e morto a tiros por um desconhecido, de moto. Já Raimundo de Jesus, de 28, foi executado na mesma cidade, supostamente após ter cobrado dívidas de criminosos locais. Em São Mateus, o corpo de um jovem foi achado no porta-malas de um carro roubado, com três tiros e marcas de pauladas. Em Guarapari, outro morreu com quatro disparos nas costas e um na boca. 

Na tentativa de salvar o filho, uma mulher de 55 anos foi atingida na cabeça durante troca de tiros entre traficantes em um supermercado de Cariacica, na Grande Vitória, segundo a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa. Ela teria se colocado na frente do filho de 14 anos, depois de o rapaz ser atingido. Há suspeitas de que já estivesse sob ameaças de criminosos. O adolescente está desaparecido. 

O major Rogério Fernando Lima, do Clube dos Oficiais, informou que as associações de PMs se pronunciarão somente depois que forem concluídas as investigações formais.

Outros crimes. Entre as 137 mortes registradas em oito dias – número superior aos 122 homicídios observados em todo fevereiro de 2016, há vítimas de latrocínio, como Almir Chrizostomo, de 62 anos, em Cariacica. O idoso foi morto ao reagir a um assalto. Na mesma cidade, um adolescente de 17 anos morreu a pauladas. O jovem era deficiente mental e pode ter sido confundido com um ladrão que assaltava o comércio na região.

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