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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Como (não) presentear

Até o próximo domingo muitas confraternizações e amigos-secretos devem acontecer mundo afora. E um dos maiores causadores de stress de fim de ano vem bater à porta: a compra dos presentes

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Até o próximo domingo muitas confraternizações e amigos-secretos devem acontecer mundo afora. E um dos maiores causadores de stress de fim de ano vem bater à porta: a compra dos presentes. Se existe algo que desafia nosso cérebro é essa complicada tarefa. Dar ou não? O quê? Até qual valor? Assim como os impostos, essas perguntas nos afligem todo ano – e da mesma forma não conseguimos nos livrar dessa obrigação.

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Para tentar ajudar um pouco a caminhar por esse intricado cipoal de regras sociais, resolvi criar uma tipologia dos presentes, com base nos achados das experiências em psicologia econômica e economia comportamental. Ela pode não apontar a saída do labirinto, mas pode servir de bússola a nos orientarmos. Creio que qualquer presente cairá numa das categorias abaixo – então, conhecendo-os melhor fica mais fácil decidir diante das vitrines ou dos sites de compras. 

1 - Presente que a pessoa precisava – Dar algo que a pessoa precisava preenche necessidade objetiva, já que ela teria de gastar esse dinheiro de todo jeito. É um presente com valor eminentemente financeiro, portanto, cujo componente afetivo tende a ser menor – imagine, por exemplo, ganhar um kit de sabão em pó, detergente, desinfetante e amaciante. É parecido.

2- Presente que a pessoa queria – Esse não tem a ver com necessidade, mas com desejo. Com o advento das listas de presentes, no entanto, ele já não é capaz de demonstrar intimidade ou conhecimento real do outro. E como viver é passar da expectativa para a frustração, a alegria desse presente dura até surgir o próximo desejo. Ou seja, pouco.

3 – Presente que a pessoa queria, mas não tinha coragem de comprar – É a conjunção dos dois anteriores. Esses presentes unem a satisfação de não gastar o dinheiro com a de entrar na posse de um objeto de desejo. Mas nos adaptamos rapidamente às novidades, o que torna também essa alegria transitória. Só faz um cartaz um pouco melhor.

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4 – Presente que a pessoa não sabia que queria – Essa não é uma modalidade para amadores. Assim como o ganha-pão dos publicitários é criar desejo por itens desnecessários (ou criar a necessidade logo de uma vez), esse presente é impactante por despertar um desejo ao mesmo tempo em que o supre. Acho que nem existe nome para essa sensação. 

5 – Presente significativo para quem dá – Na impossibilidade de saber o que o outro quer, precisa ou pode vir a cobiçar, uma saída é dar algo que seja significativo para nós. Um livro que nos marcou, um enfeite que apreciemos. É como dar uma lembrança de nós mesmos – e por isso tende a só funcionar com pessoas que nutram afetos mútuos genuínos. A não ser que por um enorme acaso o outro precise justamente daquilo. Praticamente um milagre de Natal.

6 – Presentear com experiências em vez de coisas – Talvez seja o caso mais contraintuitivo, pois normalmente achamos que os outros preferem ganhar algo, quando na verdade as experiências são normalmente mais marcantes e gratificantes. E as memórias ficam, ao contrário do prazer passageiro conferido pelas coisas. Mas é um movimento arriscado, pois erros aqui podem ser bem embaraçosos. 

7 – Presente que a gente não queria, não precisava e não significa nada para ninguém – Esse é o presente padrão de amigo-secreto.

No desespero diante de tantas possibilidades uma saída fácil é a dos vales-presente. Essa foi uma das maiores sacadas do comércio: você não gasta energia nenhuma na escolha e ainda deixa o outro alegre, pois ele sente que está ganhando um dinheiro que é obrigado a gastar com diversão. Mas no fundo é um grande golpe: a falta de afeto investido nesses pedaços de plástico explica por que um terço dos presenteados nunca chega a usar os vales. E o irônico é que os dois terços restantes sempre gastam mais dinheiro quando vão utilizá-los. 

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Por outro lado, as regras para quem ganha um presente são bem mais simples. Independentemente do que ganhar, sempre agradeça. Mesmo quando nossa reação revelar o desprezo pelo presente, um simples obrigado é capaz de desfazer qualquer mal-estar.

E como manda o protocolo, se não nos virmos até lá, Feliz Natal para todos.

* É PSIQUIATRA

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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