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'Continente consolidou as democracias'

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Por Redação
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ENTREVISTAMario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura em 2010Prêmio Nobel de Literatura deste ano, o escritor peruano Mario Vargas Llosa afirmou ontem em entrevista coletiva que a América Latina teve um desenvolvimento político extraordinário nos últimos 30 anos. "Houve uma consolidação das democracias no continente apesar de ainda permanecer a ditadura cubana dos irmãos Castro, a tentativa de ditadura da Venezuela capitaneada por Hugo Chávez e os governos autoritários da Bolívia e da Nicarágua", argumentou ele, em Porto Alegre, pouco antes de apresentar sua palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Sul no ciclo anual de conferências Fronteiras do Pensamento.Quando o senhor recebeu o Nobel disse que parou de pensar. Por quê?Recebi a chamada, esperei 14 minutos e a notícia se fez pública. Às 6 horas da manhã, em Nova York, minha casa havia sido invadida por 20 pessoas desconhecidas, com câmeras, que me entrevistavam. Não tive tempo de pensar com essa invasão tão terrível dos meios de comunicação em minha vida. O Nobel desperta uma curiosidade frívola. O ganhador do prêmio perde completamente a privacidade, se converte em uma figura pública, condicionado por forças que não controla. A pessoa se converte num zumbi, uma espécie de autômato que atua por movimentos determinados por forças externas. Mas, mesmo assim, fiquei muito contente é uma experiência surpreendente.O que o senhor está achando das eleições no Brasil?Alegro-me que haja eleições no Brasil. Espero que sejam muito livres e autênticas. Desejo que os brasileiros votem com inteligência, com acerto. Para que o governo eleito mantenha este processo de desenvolvimento, de modernização, que leve a cabo o Brasil e que impressionou o mundo inteiro. E que corrija também os possíveis erros que este governo possa ter cometido. Não posso falar mais, não estou informado dos detalhes e seria irresponsável opinar de uma forma partidária sobre estas eleições.Seu fazer literário deve mudar depois do Nobel?Não creio que o prêmio tenha influência sobre isso. Minha forma de escrever não vai melhorar nem piorar por causa do Nobel. Tampouco vão mudar os temas, que fazem parte da experiência de um escritor. Todos eles nascem de certas experiências chaves. As técnicas que utilizo para narrar já fazem parte do que sou. Mas a minha vida será um pouco alterada por causa da curiosidade, da falta da privacidade e da impossibilidade de isolar-me.Como o senhor analisa a política dos governos latino-americanos, em grande parte de esquerda, e como avalia o governo argentino?Creio que na América Latina, se a comparamos com o passado, há um progresso considerável. Quando eu era jovem a América Latina estava cheia de ditaduras de um extremo a outro. O que havia era ditadura militar. Os governos civis e democráticos eram exceção à regra: Costa Rica, Chile, Uruguai e não havia muitos mais. Nesse sentido temos um progresso considerável. Hoje temos poucas ditaduras. Além de Cuba, há uma semiditadura que é a de Chávez e governos que são um pouco populistas, com vocação autoritária, como Nicarágua e Bolívia. Mas o resto da América Latina tem governos democráticos, nascidos de eleições. Há pluralismo político, com liberdade de expressão. São democracias imperfeitas, porém democracias. Temos fenômenos muito interessantes, o que não existia no passado. Temos uma esquerda democrática em países como Uruguai e Brasil. É uma esquerda que respeitou a democracia e, no campo econômico, renunciou às velhas receitas socialistas e começou a utilizar políticas liberais e da social-democracia que foram muito proveitosas para esses países. Também temos uma direita democrática. Uma direita que não usa o golpe de estado militar, que mantém a legalidade institucional no Chile, Peru e Colômbia. São casos muito positivos porque, se queremos ter uma democracia arraigada, necessitamos que existam esquerda e direita democráticas.Quais são os problemas que o senhor vê para esses governos?Sou muito otimista, mas ainda há muitos problemas. A corrupção é uma praga que se estende por todo o continente. Temos o problema do narcotráfico, uma indústria muito poderosa economicamente e que pode competir com o Estado de igual para igual. Isso acontece porque o narcotráfico tem uma enorme força corruptora. São problemas que temos de combater, mas o marco está cada vez mais adequado: democracia política e economia de mercado. Podemos sair do subdesenvolvimento e, ao mesmo tempo, diminuir a violência e criar igualdade de oportunidades. Essa é a boa direção que afortunadamente já foi tomada pela maioria dos países latino-americanos. Se compararmos com 20 ou 30 anos, há um progresso extraordinário na América Latina.Por que o o senhor tem feito críticas ao governo argentino?O caso da Argentina me parece muito triste. Me dá muita pena. Hoje ninguém recorda que a Argentina foi um país desenvolvido na mesma época em que toda a América Latina era subdesenvolvida. Ninguém mais se lembra que a Argentina foi um dos primeiros países do mundo que acabou com o analfabetismo. A Argentina teve um sistema de educação que foi modelo para o mundo. Se tivesse seguido esse rumo, seria hoje um dos países mais avançados do planeta, mas não é. As razões são puramente políticas: pelos maus governantes, pelos demagogos e também pela ditadura militar, que muito contribuiu para essa ruína. O governo atual da Argentina parece que tocou o fundo da demagogia, do populismo e da falta de integridade moral. É uma crítica carregada de tristeza, mas também de solidariedade com um país que, em certa época, já foi o mais culto da America Latina. Era o país por onde conhecíamos a literatura mundial, com suas editoras, suas revistas como Sur. Por isso, é triste pensar que o país de Jorge Luis Borges, de Vitorio Ocampo, da revista Sur, das editoras Losada, Sudamericana, hoje esteja nas mãos do casal Kirchner. Paro por aí... Suas ideias sobre política mudam, mas sobre a literatura o senhor ainda pensa da mesma maneira que na sua juventude?Seguramente minhas ideias mudaram. Por exemplo, nos anos 50 quando estava na universidade, seguia as teses de Sartre, sobre a literatura comprometida. Fui seduzido pela ideia de que a literatura poderia ser um instrumento para transformar a sociedade. O ensaio de Sartre, chamado O que é a Literatura, impressionou-me muito e deu um grande alento à minha vocação. Eram ideias estimulantes para um jovem. Eu via que, além de ser uma arte, a literatura era também uma maneira de intervir na vida pública, defendendo as melhores opções. Porque as tarefas criativas eram uma arma política para lutar contra a injustiça. Eram ideias exaltadas, mas logo vimos que não foram confirmadas pela realidade. O próprio Sartre deixou de fazer literatura para escrever ensaios políticos ou filosóficos. Por outro lado, ficou evidente que a literatura não produz mudanças históricas imediatas e não pode ser convertida em instrumento de ação política. A literatura deixa marcas profundas na vida, mas creio que seja de forma indireta, através das consciências da sensibilidade que ajuda a formar. Mas de uma forma imprevisível que não se pode planificar nem programar. Uma pessoa não pode afirmar que escrevendo desta ou daquela maneira vai conseguir provocar mudanças na sociedade. A literatura tem um efeito sobre a sociedade. Um efeito que não é dominado pelo escritor, mas provoca um desassossego, uma espécie de mal-estar, e sempre resulta em atitude crítica. Creio que a literatura estimula muito a crítica frente a todos os aspectos da realidade, e essa é a razão por que todos os regimes autoritários e totalitários estabeleceram sistemas de censura, de controle da literatura. Porque viram nela um perigo. Na verdade, ela é um perigo para qualquer ditadura porque estimula uma atitude crítica frente ao mundo, à realidade. Assim eu mudei muito. A partir de um momento, descobri o humor, que eu achava não ser literatura. Descobri o humor com a novela chamada Pantaleão e as Visitadoras. Eu vi que o humor poderia ser uma forma riquíssima de contar algumas histórias. Mudei muito, só não mudei o pensamento de que a literatura é imprescindível.QUEM ÉJorge Mario Vargas Llosa, escritor, jornalista, ensaísta e político peruano. Escreveu mais de 30 romances, peças de teatro e ensaios. Recebeu o prêmio pela "cartografia das estruturas do poder e mordazes imagens da resistência, da rebelião e derrota do indivíduo"

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