Depoimento: 'Quem parou a Espanha não foram grevistas barbados. Mas Lolas, Cristinas e Marías'
Pesquisadora brasileira vivendo em Barcelona conta como foi a greve de mulheres que colocou o questionamento do machismo no centro de todos os debates
Por Marta Orsini
Atualização:
As mãos estavam encolhidas no bolso do casaco. Enquanto eu caminhava apressada, com o rosto afundado no cachecol, avistei, lá do alto da ponte, dois trens parados. As pessoas, atônitas, se aglomeravam nas plataformas, olhando fixamente os monitores. As portas dos vagões, escancaradas, e os avisos sonoros, repetidos à exaustão, indicavam que, tão cedo, ninguém conseguiria ir a lugar algum.
Em vez de franzir a testa, sorri. Isso mesmo, esta paulista do ABC, que cresceu ouvindo disparates sobre greves, estava absolutamente maravilhada com o que estava testemunhando. Não, não era só por causa do respeito predominante ao simples direito de protestar. O que me maravilhava é que quem estava parando a Espanha não eram grevistas barbados e de voz grave. Desta vez, eram Lolas, Cristinas y Marías.
Imagens de 8 de março
1 / 25Imagens de 8 de março
8 de março de 2018
Em São Paulo, marcha pelo Dia Internacional da Mulher percorre a avenida Paulista. Foto:Amanda Perobelli/Estadão
8 de março de 2018
Mulheres se reuniram tambémem frente ao Teatro Municipal, no centro de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Dia Internacional da Mulher
Soldado do Exército Brasileiro entrega rosas para mulher em um ônibus, durante operação na Vila Kennedy, no Rio de Janeiro. Foto: Wilton Junior / Esta...Mais
8 de março de 2018
Em Istambul, na Turquia, mulheres marcham na avenida Istiklal. Foto: Bulent Kilic/AFP
8 de março de 2018
Manifestação marca o Dia Internacional da Mulher em Bangladesh , na Índia. Foto: Munir Uz Zaman/AFP
8 de março de 2018
Mulheres marcham pelas ruas de Managuá no Dia Internacional da Mulher. Foto: Inti Ocon/AFP
8 de março de 2018
Milhares de manifestantes lotam o Paseo Sarasate, em Pamplona, na Espanha. Foto: Álvaro Barrientos/AP
8 de março de 2018
Em Paris, cartazes com fotos de feministas famosas marca o Dia Internacional da Mulher. Foto: Michel Euler/AP
8 de março 2018
Mulheres protestam e exigem o fim da violência de gênero na Guatemala.Foto: Esteban Biba/EFE
8 de março de 2018
Mulheres fazem manifestação em Bilbao, na Espanha. Foto: Vincent West/Reuters
México
Crystal, lutadora profissional na Cidade do México. Foto: Omar Torres / AFP
Dia Internacional da Mulher
Mulher segura uma flor durante uma manifestação em Manila, nas Filipinas. Foto: Ted Aljibe / AFP
Sudão do Sul
A pastora Mary Amer, de 22 anos e seu filho em um campo em Mingkaman. Foto: Stefanie Glinski / AFP
Brasil
Maira Bandeira, de 21 anos, numa academia de São Paulo, onde ela da aulas de defesa pessoal e de taekwondo para mulheres. Foto: Daniel Teixeira / Esta...Mais
Índia
Tabasumm, 30 anos, motorista de auto-rickshaw, em Allahabad. Foto: Sanjay Konojia / AFP
Índia
Mulher faz tijolos em Jalandhar. Foto: Shammi Mehra / AFP
Brasil
Angelita Habr-Gama, 82 anos, uma das primeiras cirurgiãs do país, criou a especialidade Coloproctologia na USP e acaba de ser homenageada em uma revis...Mais
Austrália
Emma Billet, 28 anos, tosquiadora de ovelhas, na área rural de Trangie, no oeste de Nova Gales do Sul. Foto: Peter Parks / AFP
Mali
Houssa Nientao, 64 anos, uma das poucas "marabout" femininas em Bamako. Elas são uma espécie de líderes religiosas e professoras muçulmanas. Foto: Mic...Mais
Brasil
Carolina Ribeiro Moraes, DJ. Adolescentes contam os preconceitos que já sofreram e como conseguiram superar desafios para quebrar um ciclo de discrimi...Mais
EUA
Heather Marold Thomason, açougueira e fundadora da Primal Supply Meats, em Lansdowne, na Pensilvânia. Foto: Dominick Reuters / AFP
Brasil
Gabrielle Araujo, 18 anos, moradora em Mauá. Ela vem de uma familia na qual as mulheres são ensinadas desde de cedo que a maternidade é o mais importa...Mais
Quênia
Sarah Achieng, 31 anos, boxeadora profissional em Kariobangi, Nairobi. Foto: Patricia Esteve / AFP
Egito
Asmaa Megahed, 31 anos, marceneira no distrito de Abdeen, no centro do Cairo. Foto: Khaled Desouki / AFP
Tailândia
Bhramaramba Maheshwari P., 59 anos, uma estudiosa de sânscrito indiano e sacerdotisa hindu, em Bangkok. Manjunath Kiran / AFP Foto:
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Precisei viver mais de 40 anos para testemunhar um movimento sem precedentes, convocado e protagonizado apenas por mulheres. Nesta quinta-feira, 8, Dia Internacional da Mulher, mais de 5 milhões cruzaram os braços em todo o país, cada qual à sua maneira. A maioria fez greves totais ou parciais ao longo do dia, mas também houve uma pequena parcela, de homens, que aderiu à paralisação.
Desta vez, no entanto, eles não estavam em palcos, ávidos por gritar palavras de ordem. Neste histórico 8 de março, muitos ficaram em casa, fazendo atividades domésticas e de cuidados, enquanto suas companheiras, irmãs, mães, filhas ou amigas ocupavam as ruas.
Depois de me acomodar em um dos vagões, onde permaneceria durante quase 1 hora até que o trem saísse do lugar, vi outra mulher chegando, de roxo, a cor do feminismo. Também com um sorriso no rosto, ela me cumprimentou com um olhar de cumplicidade. Trocamos algumas palavras e nos despedimos calorosamente quando desci na estação de Sarrià.
Ao cruzar com centenas de passageiros, não escutei qualquer comentário raivoso ou indignado. Mesmo com os atrasos causados pela presença de manifestantes nos trilhos, o clima era de total tranquilidade. Mais tarde, a caminho de uma histórica passeata pelo famoso Passeig de Gràcia, o ambiente amistoso se mantinha.
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A mesma solidariedade que vi em agosto, após os atentados de Barcelona, estava nos rostos e nos gestos. Mas, desta vez, a mobilização não era pela comoção causada por um único caso brutal, mas por milhões. Nesta quinta-feira, as pessoas afetadas por esse tipo de violência tão minimizado deram um passo incrível: conseguiram, por fim, colocar o questionamento do machismo no centro de todos os debates.
* Marta Orsini é jornalista com doutorado em Comunicação e Gênero pela Universidade Autônoma de Barcelona. Mora na Espanha há 10 anos, trabalhando como tradutora, pesquisadora e professora.