Diplomata, Paulo VI será elevado a beato neste domingo

Pontífice deu continuidade ao Concílio e foi autor de uma encíclica avançada e outra conservadora nos costumes da família

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Por Redação
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Viajante: Paulo VI foi o primeiro papa a visitar os cinco continentes e fez discurso na ONU Foto: AFP-4/1/1964

O eficiente diplomata Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini, que se tornaria o papa Paulo VI, beatificado neste domingo, 19, teria provavelmente sido eleito sucessor de Pio XII no conclave de 1958 se já fosse cardeal. Poderia ter sido, mas recusou a nomeação, ele e Domenico Tardini, quando o papa os consultou, no consistório de 1952, sobre a intenção de incluí-los no Sacro Colégio das mais altas autoridades da Igreja. Montini encabeçou a lista dos primeiros 23 cardeais nomeados por João XXIII.

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Era arcebispo de Milão e foi escolhido papa em junho de 1963, quando São João XXIII, canonizado em abril deste ano, morreu. Assumiu o nome de Paulo VI e seu primeiro compromisso foi levar adiante o trabalho de seu predecessor, a começar pela decisão de dar continuidade ao Concílio Vaticano II, iniciado em 1962.

Montini nasceu em 26 de setembro de 1897 em Concesio, na Lombardia, norte da Itália, de uma família da alta classe média. Seu pai era advogado e político do Partido Popular. Muito inteligente, Montini começou seus estudos com os padres jesuítas e, ao entrar no seminário, em 1916, foi autorizado a morar em casa, por causa de sua saúde frágil.

Quatro anos depois, foi mandado para a Universidade Gregoriana em Roma e, em 1922, foi transferido para a Academia dos Nobres Eclesiásticos, para estudar diplomacia. Em 1923, foi trabalhar na nunciatura de Varsóvia, mas não suportou o inverno polonês e voltou ao Vaticano. Além de funcionário da Secretaria de Estado, à qual se dedicou por 30 anos, foi professor da academia e capelão da Federação das Universidades Católicas Italianas.

Paulo VI foi papa de 1963 a 1978, um pontificado de crises, desafios e contradições que marcaram profundamente a Igreja. Ele sentiu o peso de sua responsabilidade, como deixou registrado em suas anotações particulares, um mês e meio depois de ter sido eleito: “O cargo é único. Impõe grande solidão. Eu já era solitário, porém agora minha solidão se torna completa e assustadora... Minha solidão vai aumentar. Não posso ter medo, não posso pedir ajuda externa que me absolva de meu dever; meu dever é planejar, decidir, assumir toda a responsabilidade de guiar os demais, mesmo que pareça ilógico, absurdo talvez. E sofro sozinho. Eu e Deus”.

O desabafo reflete as tribulações que viveu, a começar pela decisão de implementar as reformas do Concílio. Navegando em um mar de posições antagônicas, dava a impressão de ser fraco e indeciso. Ele era reservado e inclinado a depressões, embora afetivo e capaz de amizades profundas. Um de seus amigos foi o primeiro-ministro italiano Aldo Moro, da Democracia Cristã, sequestrado e morto em 1978 pelas Brigadas Vermelhas.

Resistência. Contrariou muita gente na hierarquia da Igreja, ao decretar que os bispos se aposentassem aos 75 anos e proibir que cardeais com mais de 80 participassem de conclaves. Aumentou o número de cardeais para tornar mais representativa a administração central da Igreja e instituiu o Sínodo dos Bispos, assembleia que se reuniria regularmente - como este que se encerra neste domingo. Paulo VI era também fervoroso defensor da colegialidade episcopal com o papa, sinal de coparticipação.

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Das crises que marcaram as décadas de 1960 e 1970, a mais sofrida foi a debandada do Clero, quando milhares de padres deixaram o sacerdócio para se casar, ao mesmo tempo que uma multidão de freiras largou o hábito. A publicação da conservadora encíclica em defesa do celibato, a Sacerdotalis Caelibatus, três meses após a avançadíssima Populorum Progressio, em 1967, foi um baque para a ala que esperava um passo adiante nas reformas aventadas pelo Concílio.

Mais decepcionante ainda foi a encíclica Humanae Vitae (A Vida Humana), que vetou, em 1968, todos os métodos artificiais de controle de natalidade. Com essa proibição, Paulo VI contrariou o parecer de comissão de teólogos encarregados de estudar a questão e não escreveu outras encíclicas.

Reforma. Sempre na linha do Concílio, Montini surpreendeu com atitudes concretas com relação ao ecumenismo. Em busca da unidade cristã, reuniu-se em 1964, em Jerusalém, com o patriarca Atenágoras, líder da Igreja Ortodoxa Grega, iniciativa completada no ano seguinte pelo cancelamento da excomunhão recíproca de católicos e ortodoxos. Aproximou-se da Igreja Anglicana, recebendo em Roma o arcebispo de Cantuária, Michael Ramsey, a quem deu de presente o seu anel pessoal, em 1966.

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Paulo VI foi o primeiro papa a viajar pelos cinco continentes. Fez discurso na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Abriu a Conferência-Geral dos Bispos Latino-americanos em Medellín, na Colômbia. Foi à África, às Filipinas e à Austrália. Ao desembarcar em Manila, escapou de um atentado, quando um pintor boliviano, de batina, tentou atacá-lo com um punhal. Na política externa, adotou na Santa Sé a Ostpolitik (política do leste, em alemão) para aliviar a tensão das igrejas nos países comunistas.

Nem tudo que o cardeal sonhava o papa Paulo VI conseguiu concretizar. Por exemplo, a ideia de que o sumo pontífice, o Vigário de Cristo na Terra, deveria renunciar ao fausto da riqueza do Vaticano e mudar-se para um anexo da Basílica de São João de Latrão, a catedral do bispo de Roma. Ali, o papa viveria em comunidade com os seminaristas da diocese. Homem simples e humilde, proibiu sinais de ostentação. Ao morrer, em 6 de agosto de 1978, foi sepultado em um caixão de madeira tosca, sem qualquer adorno, em um túmulo despojado, nas catacumbas da Basílica de São Pedro.

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