Duas visões sobre alteração da Maria da Penha que obriga agressor a ressarcir o SUS

'Estado' convidou duas especialistas, com opiniões diferentes sobre o tema, para comentar o corte de recursos; com qual posição você concorda mais?

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Por Priscila Mengue
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SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro (PSL) sancionou na terça-feira, 17, uma lei que responsabiliza o agressor pelo ressarcimento dos custos de saúde e segurança da vítima de violência doméstica. A determinação, que altera a Lei Maria da Penha, também implica em eventual compensação ao Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados em agosto.

Lei responsabiliza agressor por custos de saúde de vítima de violência doméstica Foto: Rafael Arbex/Estadão

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O texto da lei prevê que “aquele que, por ação ou omissão, causar lesão,violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS)”. Ele também inclui “os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas terão seus custos ressarcidos pelo agressor.”

Além disso, a lei destaca que o ressarcimento “não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes, nem configurar atenuante ou ensejar possibilidade de substituição da pena aplicada”.

O Estado convidou duas especialistas, com visões distintas sobre o tema, para comentar sobre a nova lei. Com qual visão você concorda mais? Vote na enquete ao final da matéria.

‘É uma lei que pode ajudar’

A advogada criminalista Luiza Nagib Eluf elogia a alteração na Lei Maria da Penha e diz que é uma forma de diminuir gastos públicos e coibir práticas. “Mal não faz, é uma lei boa”, diz ela, que é procuradora aposentada. “É uma forma de tirar o incentivo de cometer o delito.”

Ela pondera que já existem mecanismos para a vítima pedir indecisão e que a grande novidade é isso se estender aos gastos do Sistema Único de Saúde. “O gasto público é muito grande, as mulheres apanham toda hora”. 

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No caso de o agressor não ter recursos, a advogada explica que a questão será inscrita na dívida pública e ficará “por isso mesmo”, ou seja, será aplicada apenas a quem tiver condições de arcar com o ressarcimento.

“Não é uma lei ruim, é uma lei que pode ajudar. Só precisamos definir a melhor forma de aplicação”, comenta Luiza. Segundo ela, o entendimento precisa ser de que o “agressor” identificado na lei é uma pessoa que foi julgada em definitivo - o que, acredita, será definido por meio de Jurisprudência. “Depois é possível que se aprimore a lei ou que a Jurisprudência já fixe parâmetros que vão balizar as decisões. Não é para dizer que é uma porcaria, a lei é boa.”

“Realmente demora mais (esperar até a condenação), mas vai chegar. É um ressarcimento para o sistema de saúde, que não tem uma pressa enorme”,comenta. “Independentemente disso, a própria vítima pode entrar na Justiça pedindo indenização desde que tenha tudo comprovado.”

Ela aponta, contudo, que o mecanismo mais eficiente destinado a agressores é inseri-los em grupos de ressocialização, aos moldes dos atendimentos a dependentes de álcool ou drogas. “Tem que ter grupos de comportamento social porque é um comportamento incentivado pela sociedade patriarcal. Se o Estado passar a disponibilizar atendimento ao agressor, vai economizar mais.” 

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'A lei é de difícil execução’

A desembargadora Ivana David considera que a lei “está um pouco confusa” e é “de difícil execução”. Um dos pontos que critica é o uso da palavra “agressor” sem a definição de ser uma pessoa já condenada (o termo foi retirado durante a tramitação do projeto no legislativo). “Para o juiz civil, fica uma situação difícil de cobrar um custo que não se sabe se foi o autor”, diz. “Não consegue delimitar essa responsabilidade.”

Ela pondera, por exemplo, que o acusado pode ser absolvido no final do processo, após ter pago o ressarcimento. “Isso, na seara processual, nos parece estranho”, comenta. “Depois, ele até pode entrar com uma ação contra o Estado porque pagou algo não devido. Então, termina sendo uma ação penal (pela suposta agressão), uma ação civil eventual (pelo custo do atendimento) e, depois, uma terceira (pelo ressarcimento indevido).”

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Outro ponto abordado pela desembargadora é que, antes da nova lei, já era possível pedir o ressarcimento no âmbito civil. “O Código de Processo Penal já dispõe de o juiz, na sentença, poder condenar o autor a uma indenização para eventuais danos morais ou patrimoniais desde que trazidos pelo Ministério Público.” 

Ela considera ainda, que o ressarcimento deve afetar principalmente as pessoas de classe social mais baixas. Embora a lei diga que os custos não podem implicar em ônus ao patrimônio da vítima e de seus dependentes, em muitas situações é difícil separar o patrimônio de casais, por exemplo. 

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“Nem todo agressor deixa de morar com a vítima”, exemplifica. “Se está cobrando do mais humilde um atendimento que o Estado devia dar. O atendimento de saúde e segurança é dever do Estado”, diz. “Não dá para coibir a violência impondo um pagamento que o Estado deveria garantir.”

Para a desembargadora, a lei deveria ser mais discutida. “O Estado primeiro vai ter que fazer uma análise social, onde vive, quanto ganha… Isso é tão distante da nossa realidade, da nossa rotina. É mais fácil alterar o Código de Processo Penal, para poder condenar a indenizar a vítima.”

Além disso, Ivana considera que o melhor caminho são investimentos na prevenção. “Essa lei não vai impedir a violência. O que precisa é de políticas públicas mais profundas”, diz. “Tem que trabalhar para isso não existir, em vez de discutir as consequência.”

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