SÃO PAULO - Sexta-feira, 11 horas da noite. Esquina da Augusta com a Paulista. Esquina do Safra. Esquina do esquenta. Esquina do torpor. Há algum tempo o entroncamento atrai a moçada que aguarda o horário das baladas no Baixo Augusta. Ou que não aguarda nada. Estão na arquibancada, vendo o mundo passar. É o footing mais seating da cidade: todo mundo meio acocorado nos degraus. Não avançam muito, já que o Banco Safra colocou umas grades para conter o avanço da massa. Mas avançam nos entorpecentes e na bebida barata.
Entre os acocorados estão muitas acocoradas. São garotas de seus 17, 19, 22 anos, algumas saídas da aula, várias que há meses não participam de nenhuma. Dividem copinhos de gelatina cor-de-rosa com Askov, que compraram de ambulantes. Diversas delas fumam maconha. Uma ou outra experimenta um brownie da erva, em versões de 3 gramas e 6 gramas, vendidas dentro de um Tupperware. Ovos de chocolate com LSD acabam de passar. Uma moça de calça azul cintilante distribui um pó branco sobre o celular e cheira a carreira de costas pra rua. Outra, evidentemente bêbada, é sugada num beijo por um vendedor de pulseirinha hippie, botado pra correr por umas cantoras de rap que perceberam o abuso.
Mano, ali também é point de lúcidas batalhas de rap, uma competição de improvisos - aliás, vencida por uma moça, Gaby, na sexta-feira em questão. Mas isso é tema do próximo capítulo desta série sobre o mundo secreto das garotas. O que rola no episódio que aqui se apresenta é o avanço das drogas entre elas, a começar pelo álcool.

“Cerveja é o amor da vida”, diz Ananda, de 22 anos, que tecla um jogo qualquer no celular para tentar esquecer a dor de cabeça da sinusite. Ela e mais duas amigas esperam uma quarta garota para descer a Rua Augusta até a Outs, balada de rock que toca de emo a hardcore. Todas têm o cartão fidelidade da casa, onde pagam apenas R$ 10 com open bar se chegarem até a 1h. “Somos de uma turma que sai pra beber, e não pra pegar todo mundo”, diz Carolyna Daniele, de 21 anos, fazendo a ressalva.
Estatísticas sobre o aumento do consumo de álcool pelas mulheres não faltam. Uma feita pela Unifesp em 2013 mostra que o número das brasileiras que bebem com frequência saltou de 29% para 39% entre 2006 e 2012. O principal acréscimo se deu na faixa dos 15 aos 25 anos. Não bebem apenas. Bebem em “binge”, ou seja, quatro doses em duas horas, o suficiente para muito corpo feminino entortar. Homens costumam resistir a mais uma dose.
O psiquiatra Flávio Gikovate levanta outros números: “Se até 20 anos atrás apenas 3% das meninas até 15 anos tinham tomado um pileque, hoje elas chegam a 30%, mesma porcentagem dos garotos”. “Pileque” denuncia a experiência. Há mais de 50 anos Gikovate tem consultório físico, pelo qual já passaram uns 10 mil pacientes. E há quase 9 anos responde às angústias de ouvintes da Rádio CBN. Atende, portanto, a todas as classes, e vê esse consumo aumentar em todas. A quem diz que garotos e garotas fazem isso para se socializar, responde com moderação: “Quem bebe muito não quer socializar, quer monologar, fala até com poste. A droga, ao mesmo tempo que aumenta a sensibilidade, também faz o outro perder importância, porque o outro vira menos outro.”
Por aí segue o raciocínio de quem analisa os efeitos da maconha, cujo consumo cresceu a olhos e, especialmente, a narizes vistos. Pelas ruas, o cheiro da erva tem sido tão comum quanto o de tabaco. Há quem aposte que seguimos os sinais de fumaça dos EUA, onde os estudantes do ensino médio já fumam mais maconha do que cigarro. O 2.º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, da Unifesp, estima que 1,5 milhão de pessoas fumam maconha diariamente no Brasil, entre elas 300 mil adolescentes. Mais de 20% dos jovens obtiveram a Canabis na escola, e o índice de dependência entre os mais novos é de 10%.
“O pessoal, especialmente as meninas, está consumindo adoidado e achando que não faz mal”, diz o hebiatra Maurício de Souza Lima. Ele falava da maconha prensada, do haxixe e do shatter, este último com até 80% de THC (tetra-hidrocarbinol), responsável pelos efeitos alucinógenos. “Não é que faz mal pra todo mundo, mas, quanto mais cedo se usa, maior o risco de dependência, porque na adolescência é que se formam novas conexões cerebrais”, explica. Se toda droga psicoativa gera tolerância, continua, quem consome precisa de mais para ter o mesmo efeito.
Funciona assim com quem também está acostumado a consumir cocaína ou sintéticos como o MD, que virou trending topic nas baladas da classe alta. Cristal com jeito de sal grosso, é uma anfetamina de efeitos semelhantes aos do ecstasy, porém “mais puros”: coração a mil, sentidos a mil, sede a milhões. “Quando alguém toca a gente, parece que você vai derreter”, revela Luiza, de 23 anos. A droga é cara: 1 grama custa cerca de R$ 200, enquanto o mesmo tanto de cocaína costuma sair por R$ 50 e a balinha de ecstasy, uns R$ 40.
Quem oferece um cristal pra galera ganha uma fila de seduzidos. “É um bem valioso e, tipo, o cara divide com quem não conhece, tá sendo mó brother”, diz Luiza, que se classifica numa zona de conforto com a experiência. Mas ela já viu amiga quebrando o braço porque alucinou geral ou quebrando o dente, tamanho o bruxismo depois do consumo.
A longo prazo, o MD pode detonar quadros esquizofrênicos, síndrome do pânico e depressão. Depressão é palavra-chave no universo feminino, que acrescenta um pino no quadro das drogas: o dos antidepressivos. O escritor americano Andrew Solomon explica isso melhor na entrevista ao lado. Gikovate adiciona o fato de Prozacs da vida tirarem o apetite, o que engorda a dependência das garotas. Mas acha que também tem muito garoto deprimido por aí, desorientado na transição dos costumes. “Ninguém mais quer cobrança, os moços muito menos, só que estão folgados, perdendo o bonde.”
E as moças? Em que pé estão?
“Have Faith in Me.” É o que estampa a tatuagem da Carolyna Daniele, que desce a Augusta abraçada com as amigas, safando-se todas do temporal que lavou a esquina uma hora depois.
Uma vida na corda bamba

“A molecada está usando as drogas sintéticas como se fosse Tic Tac, não sabem onde estão se metendo.” O alerta é da atriz e trapezista Marina Filizola, que desde os 14 anos se equilibrou no mundo dos psicotrópicos até que, um dia, faltou chão. À beira da esquizofrenia, ela se rejuntou nos Narcóticos Anônimos para ser mãe e escrever um livro, Leite em Pó, lançado em abril pela Planeta. Marina acha que as mulheres, colocadas no bloco da delicadeza, sofrem muito mais quando se enterram nas drogas. “Ainda choca dizer que são dependentes, há muito preconceito.”