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''''Faltou autoridade na crise aérea''''

Entrevista[br]Brigadeiro José Carlos Pereira, ex-presidente da Infraero [br]JCarlos, como é mais conhecido, admite que Infraero e Aeronáutica podem ter cedido a[br]outros interesses

Por Bruno Tavares e Valéria França
Atualização:

O brigadeiro José Carlos Pereira, demitido da presidência da Infraero (estatal que administra os aeroportos) em agosto, transformou-se num dos porta-vozes da crise aérea, em parte por suas frases bombásticas. Um exemplo disso foi a comparação da crise aérea com um pepino. "Os pepinos fazem parte da vida, certo? O importante não é o pepino. O importante é saber lidar com o pepino, saber cozinhar o pepino, cortá-lo corretamente." O brigadeiro é filho único de um guerrilheiro basco e de uma enfermeira cearense que, na época da guerra, trabalhava no serviço de atendimento das Forças Armadas. Órfão de mãe, aos 6 anos, e de pai, aos 12, JCarlos, como é conhecido,aprendeu cedo a lidar com situações de crise. Na Força Aérea Brasileira, especializou-se em estratégia de guerra. JCarlos ficou um ano e meio à frente da Infraero. O acidente entre o Boeing da Gol e o Legacy completou um ano. O que mudou durante esse período? O acidente trouxe à tona problemas que já existiam. O homem não foi feito para voar. A aviação não perdoa falhas. Ela cobra. Os acidentes acontecem quando alguém afronta determinada regra e o piloto não consegue evitar. O controle aéreo estava operando no limite do limite. O Aeroporto de Congonhas é um bom exemplo. Quarenta e oito movimentos de aeronaves por hora (quantidade de movimentos que ocorria antes da nova malha aérea em Congonhas) é possível, mas é a borda do limite da segurança. Seguia-se a lógica de que nunca tinha acontecido nada, então não havia problema. Era preciso ter uma autoridade que diga: "Estamos chegando na borda, vamos voltar." Mas de quem é a culpa? As empresas aéreas pressionaram para chegar ao limite? Em situações como essas é inevitável que o interesse econômico avance sobre a segurança. Isso é normal. Acontece na aviação e em outros lugares. Quando explode o gás de um shopping e morre um monte de gente, alguém violou alguma regra de segurança. E deve ter violado por ser a solução mais barata. Daí, abrem-se possibilidades para acidentes. Se os interesses econômicos das empresas afetam a segurança da aviação, qual é a solução? Fiscalização. Controle rígido e independente. Mas então faltou alguém colocar limites? Sim, faltou. Quem deveria colocar limites? Seria Anac, não é? O sistema funciona assim: a empresa aérea se dirige à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e diz, por exemplo, que quer fazer mais uma linha Rio-Florianópolis. A Anac pergunta para o sistema de tráfego aéreo se dá para controlar mais um avião. A Aeronáutica vai nos computadores e analisa o pedido e, se é possível, dá o OK. A Anac pergunta à Infraero se dá para receber mais um avião. A Infraero responde com base na pista e no terminal aéreo. Se for congestionar o terminal ou a pista, a Infraero pede para mudar o horário do vôo. A Anac até aceita puxar o vôo para mais cedo o mais tarde, mas não costuma acatar opiniões nem da Aeronáutica nem da Infraero. A Anac nunca fez nada para diminuir o tráfego aéreo. Ela nunca disse "não" para as empresas . Você diz, OK, foi preciso haver um outro acidente para se chegar à conclusão de que era preciso reduzir o volume de operações de Congonhas. Conversamos muitas vezes com a Anac sobre a necessidade de diminuir a pressão sobre Congonhas. Na época, então, tínhamos autoridades que não exerciam a autoridade delas? Não estou dizendo que não exerciam por dolo. Mas por não enxergarem o problema. A Anac se rendeu às empresas aéreas? Não sei. Ela é soberana e continua sendo por lei. Ela deixou chegar ao limite do limite. O senhor acha que em algum momento a Infraero e a Aeronáutica se curvaram a interesses? É possível que isso tenha acontecido. As CPIs foram criadas para apurar isso. Acredito que os interesses econômicos em determinados instantes atuaram. Depois do acidente, a Infraero acabou sendo envolvida na crise por problemas de corrupção. Tive três grandes choques durante minha gestão, dois acidente aéreos e o relatório do Tribunal de Contas da União sobre a Infraero. Antes de assumir a presidência da empresa, eu era diretor e não sabia que existia aquilo. Foi chocante. Dobrei a vigilância para que os problemas não continuassem acontecendo e facilitei as investigações. Abri tudo, sala, documentos, computador. Fui eu quem levou ao ministro da Defesa (Waldir Pires) o processo e disse que algo precisava ser feita. Eu não podia ir à polícia, sendo presidente da Infraero. No acidente da Gol, o senhor saiu como porta-voz natural. A Anac desapareceu. A Denise Abreu (ex-diretora da Anac) veio para cá (depois da confirmação do acidente). Foi a única pessoa a aparecer. Só que naquela época, a Anac estava recém-criada. Precisava mostrar autoridade. A Denise tentou me ajudar, mas sem conhecimento do assunto. E na verdade, ela é que deveria me orientar. Então fiquei só.

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