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Famílias de desaparecidos vivem clima de incerteza à espera por notícias no Rio

Parentes de possíveis vítimas de desabamento ficam na Câmara Municipal e mantém otimismo

Por Roberta Pennafort
Atualização:

RIO - Vizinha aos prédios que desabaram, a Câmara dos Vereadores virou ponto de atendimento das famílias das possíveis vítimas. No salão nobre, no segundo andar, onde são realizadas solenidades e entrevistas coletivas, choro abafado, silêncio triste, impaciência contida.

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Assistentes sociais e médicos da Prefeitura estavam a postos para o caso de alguém passar mal. Numa mesa de centro, água gelada, para aliviar o calor. Biscoitos, sanduíches e frutas estavam intocados.

Ninguém ali tinha muita esperança, mas ainda assim os verbos usados para descrever os parentes eram todos no presente. Um ou outro mais animado tinha arroubos de credulidade: "Quem sabe ele ouviu o estalo, desceu correndo e está até agora vagando por aí, desnorteado?"

O contador Nilson Assunção Ferreira, dono da ECN Auditoria e Contabilidade, sempre teve o hábito de trabalhar até o fechamento do Edifício Liberdade, onde a empresa funcionava havia seis anos. Toda noite, tudo igual: encostar a porta da sala, ligar o som e perder a hora.

Gustavo Cunha, especialista em tecnologia da informação, sequer tem horário para sair: chega ao fim da tarde, vindo do outro emprego, na Petrobrás, logo ali, e jamais pega acordado o filho João Gabriel, de um ano e três meses, quando volta para casa.

Everton, filho de Ferreira, seu "braço direito" na firma, que deixara o edifício pouco antes, os funcionários, a mulher de Cunha e mais as famílias dos demais desaparecidos se revezaram durante todo o dia na Câmara. O número de familiares era limitado: era preciso descer alguém para que mais um subisse.

Dor. As informações, escassas, eram passadas por bombeiros. "É uma notícia que dói, mas é uma alívio", chorava Joana Darc Oliveira, atendente de supermercado, que rapidamente reconheceu o celular do tio, Cornélio Ribeiro Lopes, de 74 anos, porteiro e morador do Edifício Liberdade. O aparelho fora encontrado em seu bolso por um socorrista.

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"Ele já estava se aposentando, e tudo que queria era voltar com minha tia (Margarida Lopes, desaparecida) para a terra dele, Hidrolândia, no Ceará. Agora o enterro vai ser lá".

Já Nilson Ferreira nunca cogitou deixar o comando de sua empresa. Era exigente, mas tão querido que sete empregados correram à Câmara às 9 horas, e até as 18 permaneciam lá. Ele não havia sido identificado.

"Seu Nilson é muito gente boa, mais amigo do que patrão. Chegava cedo e era o primeiro a sair. Tenho medo que não tenha ouvido nada por estar ouvindo sua musiquinha. Agora o prédio é só poeira", lamentava Karina Lopes, auxiliar do departamento pessoal.

Milagre. "Minha filha ainda acredita, mas quando o próprio bombeiro chegou aqui e disse 'a partir de agora, só milagre', desisti", dizia, no fim da manhã, o aposentado Ivan de Aguiar, de 64 anos, sogro de Gustavo Cunha.

Aos 33 anos, ele é tão dedicado ao trabalho que não só dá expediente dobrado, mas também leva afazeres para casa. Não larga o laptop. É um piadista. A mulher sonhava com o momento em que surgiria dizendo: "Por que você fez esse auê? Eu avisei que chegaria mais tarde!" Até o fim da tarde, Gustavo não havia chegado.

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