Homenagem sonora lembrou um mês da tragédia de Santa Maria

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Por Elder Ogliari
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PORTO ALEGRE - Os 239 mortos no incêndio da boate Kiss foram homenageados em diversas manifestações e cultos religiosos nesta quarta-feira, quando a tragédia completou um mês, em Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul. A pedido da Associação dos Pais e Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia em Santa Maria (AVTSM), o tradicional minuto de silêncio foi substituído por um "minuto do barulho", que serviu tanto para lembrar que os mortos viviam uma fase muito alegre de suas vidas quanto para advertir as autoridades que a sucessão de falhas que provocou o incêndio não pode mais ocorrer.As primeiras homenagens foram feitas ainda na madrugada, diante dos escombros da casa noturna, por familiares e amigos que deixaram flores, cartazes e fotos no local. Mas foi às 8 horas que quase toda Santa Maria se mobilizou. Na praça Saldanha Marinho, no centro, cerca de 600 pessoas vestidas de branco, com fotos de filhos, irmãos e amigos perdidos na tragédia estampadas em suas camisas, puxaram uma salva de palmas que durou 15 minutos, e não apenas um, como estava programado, e foi acompanhada por pessoas nas sacadas, janelas e calçadas de diversos bairros da cidade.O barulho das palmas foi acompanhado, ao mesmo tempo, pelo som dos sinos de todas as igrejas e pelas buzinas acionadas pelos motoristas ininterruptamente. O concentração na praça terminou com todos rezando a oração do "Pai Nosso". Diante dos hospitais também houve concentrações de pessoas e aplausos. Um grupo de jovens confeccionou adesivos com o desenho de um coração em vermelho e colou 239 deles - um para cada vítima - em espaços próximos à boate.Pai de Jennefer Ferreira, 22 anos, uma das vítimas da tragédia, e presidente da AVTSM, o comerciante Adherbal Alves Ferreira, 48 anos, repetiu diversas vezes que as mobilizações comandadas pela entidade tentam incentivar as famílias a retomar suas vidas. "Com esse barulho, fizemos uma homenagem à alegria com que eles viviam", afirmou, emocionado com a solidariedade que todos receberam. "Toda Santa Maria nos abraçou".Além das homenagens do dia, estavam programadas outras duas para o início da noite. A primeira seria uma passeata denominada "Sair do Luto e Ir à Luta". A segunda uma missa na Basílica de Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças. Durante a tarde, três familiares de vítimas do incêndio que matou 194 pessoas na boate República Cromagnon em Buenos Aires, em 1994, chegaram a Santa Maria para prestar solidariedade às famílias das vítimas brasileiras.FeridosA tragédia da boate Kiss ocorreu na madrugada de 27 de janeiro. Uma fagulha de um artefato usado em um show pirotécnico da banda Gurizada Fandangueira chegou ao teto e começou a queimar o revestimento de espuma da casa noturna. O fogo se espalhou rapidamente. A queima do material produziu gases tóxicos que mataram 234 pessoas no local e outras cinco, posteriormente, por causa dos ferimentos.Das 145 pessoas que foram internadas por algum tempo, 22 permanecem em hospitais de Porto Alegre e Santa Maria sob cuidados médicos. Três delas ainda dependem de ventilação mecânica para respirar.Inquérito e cianetoO inquérito que apura as causas e responsabilidades pela tragédia da boate Kiss pode prosseguir além do prazo do dia 3 de março ou ser entregue com informações parciais dentro do prazo e complementares posteriormente. A Polícia Civil vai escolher qual caminho tomar nesta sexta-feira, quando também decide se vai pedir a prisão preventiva dos dois sócios da casa noturna e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira que estão presos temporariamente até domingo.Embora não tenham recebido uma manifestação formal do Instituto Geral de Perícias (IGP), que deve entregar os laudos técnicos em dez dias, os delegados que investigam o caso já sabem que grande parte das mortes foi provocada pelo cianeto, gás produzido pela combustão da espuma de revestimento acústico da Kiss.Os investigadores consideram que a parte do inquérito que trata das causas está adiantada. O fogo foi provocado por fagulha de artefato usado em um número pirotécnico do show da banda, feito em local inadequado, por ser fechado. As instalações da casa, sem sinalização de saída e com apenas uma porta para escoar uma multidão, somadas à lotação excessiva, também contribuíram decisivamente para a tragédia.O que vai exigir mais tempo de apuração é a questão da emissão dos alvarás e da fiscalização, que requer o cruzamento de depoimentos contraditórios e do emaranhado de leis e normas federais, estaduais e municipais para detectar quem falhou por emitir autorizações ou por deixar de verificar se a casa atendia as exigências legais. O delegado Marcelo Arigony sustenta que essa etapa é muito importante porque vai influenciar um novo marco legal na área do entretenimento.Prefeitura interdita casas noturnas em Porto AlegreA prefeitura de Porto Alegre interditou 17 casas noturnas desde sexta-feira, quando começou a fazer uma varredura em todos os estabelecimentos que não apresentaram alvarás. Entre as quatro lacradas nesta quarta-feira está a Planet Music Hall, da família do jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho. Localizada no bairro Cavalhada, na zona sul da cidade, a casa não tinha o plano de prevenção contra incêndios e nem alvará de funcionamento. Também foram interditadas durante o dia as boates Faça Acontecer e Apolo 2, na zona sul, e Dublin, na região central. Os fiscais da Secretarias Municipal da Indústria e Comércio ainda têm cerca de 50 estabelecimentos para visitar nos próximos dias.

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