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Índio que perdeu a perna após ataque de cobra ganha prótese

Marinaldo Tirotsi Ashaninka foi picado por uma jararacuçu aos 9 anos de idade; tecnologia imita os movimentos do membro natural

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:
Tirotsi testou pela primeira vez a perna mecânica em Sorocaba Foto: Divulgação

SOROCABA - Trinta anos depois de ter uma perna consumida pelo veneno de uma serpente, o índio Marinaldo Tirotsi Ashaninka, de uma tribo descendente dos incas que vive na Floresta Amazônica, no interior do Acre, pode voltar a caçar e viver como outros membros de sua etnia. Nesta segunda-feira, 6, em Sorocaba, ele fez os primeiros testes com uma perna mecânica inteligente, com tecnologia que imita os movimentos do membro natural. A prótese foi doada por uma empresa da cidade a pedido da organização não governamental House of Indians, que realiza um trabalho ambiental na terra indígena.

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Tirotsi conta que sofreu o ataque de uma jararacuçu, também conhecida por jararaca-boca-podre, quando tinha nove anos de idade. O apelido da cobra se deve ao efeito do veneno que, se não combatido de imediato, causa uma necrose no local que, em seguida, avança pelo corpo até causar a morte. Durante muitos anos ele sofreu com o avanço da necrose até que, em 2015, teve a perna amputada. Como os índios vivem da caça e do artesanato, desde pequeno Tirotsi sofreu discriminação e chegou a tentar o suicídio.

De acordo com o sócio proprietário da empresa de Sorocaba, Nelson Nolé, o fotógrafo Sebastião Salgado conheceu Tirotsi ao realizar um de seus trabalhos com os indígenas. Entre março e abril de 2016, Salgado permaneceu três semanas na comunidade Ashaninka Apiwyxa, no Rio Amônia, para dar sequência a um projeto em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), a Fundação Nacional do Índio e a ONG inglesa Survival International sobre as culturas indígenas brasileiras. Ao conhecer o índio mutilado, ele foi informado por um integrante da House of Indians, que é sorocabano, sobre a empresa de Sorocaba.

A clínica de Nolé já atendeu gratuitamente pessoas da região amazônica, inclusive uma mulher que perdeu perna e braço num ataque de jacaré-açu. Salgado doou 50 livros para ajudar no custeio da viagem e estadia do indígena em Sorocaba. Foi a primeira vez que Tirostsi saiu da tribo. Ele está na cidade desde a semana passada e nesta segunda iniciou os testes com o equipamento. Segundo Nolé, ele vai receber uma prótese social e outra que permite caminhadas e atividades de caça na floresta. "É uma prótese especial, adequada ao ambiente amazônico, com molas que possibilitam subir barrancos e à prova de água, pois os índios passam parte do dia dentro da água." Os equipamentos doados custam em torno de R$ 50 mil.

De acordo com o ISA, os ashaninkas têm uma longa história de luta, repelindo invasores de suas terras desde a época do Império Incaico, até a economia extrativista da borracha do século 19. No lado brasileiro da floresta amazônica, eles também combatem a exploração da madeira desde a década de 1980. Os ashaninkas conciliam costumes e valores tradicionais com ideias práticas do mundo dos brancos, como as ligadas à sustentabilidade ambiental.

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