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'Juízes querem cercear a ação do CNJ'

Para o jurista, Conselho Nacional de Justiça perde sua razão de existir se for impedido de vigiar as atitudes de magistrados

Por Gabriel Manzano
Atualização:

A decisão dos juízes federais de contestar, no Supremo Tribunal Federal, o poder do Conselho Nacional de Justiça de regular e investigar irregularidades cometidas por magistrados "é uma iniciativa infeliz, que pretende cercear o trabalho bastante positivo do CNJ", diz o professor Pedro Estevam Serrano, titular de Direito Constitucional da PUC-SP. Essa posição adotada pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), segundo ele, "não é algo juridicamente adequado nem útil à sociedade". É uma briga antiga, com pretexto novo. Em julho, o CNJ adotou a resolução 135, para uniformizar os procedimentos ligados à atuação administrativa e disciplinar dos juízes. Estes viram no ato uma extrapolação de poder. Só caberia ao conselho, entende a AMB, investigar assuntos já julgados por tribunais inferiores. O STF deve julgar a Ação de Inconstitucionalidade (Adin) pedida pela AMB na quarta-feira. Ela tem como relator o ministro Marco Aurélio de Mello - que, até onde se sabe, vê com simpatia a causa dos juízes. Serrano não percebe, no episódio, indícios de espírito corporativo, assim como não critica a luta do Judiciário por melhores salários. Nesta entrevista, ele adverte: "Deviam parar de considerar o salário do magistrado uma referência para os demais Poderes". Como o sr. vê o pedido dos juízes para que o STF os livre das decisões do CNJ?A AMB tem legitimidade para entrar com a Adin. Os artigos 102 e 103 da Constituição lhe dão tal direito. Se considerar inconstitucional, o STF pode retirar a lei do mundo jurídico. De que modo isso seria feito?Após a decisão, o Supremo remete o texto ao Senado, cuja Mesa subtrai os efeitos da lei. É a mecânica burocrática. Mas na prática, decidida a inconstitucionalidade, a lei já perde a eficácia. A atitude dos juízes configura espírito corporativo?Não vou chegar a isso. A gente não pode confundir certas coisas. Algumas reivindicações de natureza administrativa ou jurisdicional podem parecer corporativas, e na verdade atendem a demandas da cidadania. Pois ter um Judiciário forte, independente e bem remunerado é algo que interessa à sociedade, não só à categoria. O Supremo deveria acatar o pedido da AMB?Sob o ponto de vista técnico e jurídico, acho que essa ação não deve prosperar. Digo isso porque a lógica da reforma feita para introduzir o CNJ no sistema é a de lhe atribuir possibilidades de controle administrativo e disciplinar - nunca o jurisdicional, fique claro - da conduta dos tribunais. Se você limita essa possibilidade de controle, para que ele só julgue o que já passou pelas corregedorias, vai reduzi-lo a uma instância recursal das corregedorias. Estará subtraindo a competência que lhe deu a Constituição. Isso configuraria, então, espírito corporativo?Sim, nesse caso poderia favorecer o acobertamento de situações ilícitas. Não vejo isso em tribunais modernos e bem estruturados, como o de São Paulo, mas de outras regiões. Veja o tipo de desvios encontrados no Norte, é só fazer um levantamento do que o CNJ já fez até aqui. A propósito: se a lei que a AMB pretende existisse no passado, o conselho não teria feito nem metade do que fez. Parecem-lhe justas ou corporativas as pressões salariais que crescem no meio jurídico?Acho que salário de juiz não é problema da Justiça, é do País. Decidiu-se criar na Constituição um teto para ministro do Supremo e isso se revelou, creio eu, inadequado. No início se ganha bem, mas um juiz mais experimentado, que trata de ações relevantes, é mal remunerado. E acho um equívoco remunerar o juiz da mesma forma que se remunera um senador, um deputado. Ser juiz é uma carreira. Então tem de remunerar de acordo com o mercado profissional, tratando melhor os mais experientes. O Brasil remunera mal os juízes maduros. Mas os valores, para os padrões do País, não são bons?O que deviam fazer, acho eu, seria parar de considerar salário de magistrado referência para os demais Poderes. Cada poder devia ter seu próprio teto, e acho que o da magistratura devia ser mais elevado que os do Legislativo e Executivo. Mas cada vez que se fala do juiz vem alguém e compara com o salário mínimo... Ora, há muitas distorções na vida brasileira. A solução difícil de um grande problema não pode inviabilizar a solução de outro menor.

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