Justiça manda prender acusado de transmitir HIV

Condenado por homicídio intencional, motorista teve recurso negado pelo TJ, apesar de manter relacionamento com mulher que o denunciou

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Por Fabiane Leite
Atualização:

Desde o dia 18 de setembro, o motorista J.L.C.M, de 47 anos, portador do vírus da aids, é procurado pela polícia. Ele mudou de casa e vive apavorado com a idéia de passar os próximos anos na cadeia. Sem antecedentes criminais, J. foi condenado em outubro de 2004 por um júri popular a 8 anos em regime fechado. A acusação: tentar matar a amante, transmitindo o HIV, em um caso que teve repercussão nacional. O motorista recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo, mas perdeu: em março, o órgão confirmou a decisão dos jurados. O advogado que defendeu J. no início do processo e o promotor que o denunciou, em 2003, dizem que não sabem de casos semelhantes no País. Como eles, outros especialistas afirmaram ao Estado não ter notícia de processos no qual um portador do HIV tenha sido condenado à prisão por homicídio doloso (com intenção) e qualificado (por uso de meio cruel) porque contaminou alguém com o vírus. Luiz Carlos Magalhães acompanhou J. durante o processo como advogado da assistência judiciária do Estado - hoje o motorista está sem defensor. Magalhães diz que o caso ficou "ainda mais sui generis" - e dramático - porque M., a mulher contaminada, retomou o romance com J. Ela afirmou que já está arrependida de ter registrado boletim de ocorrência contra o companheiro. Mas não há o que fazer, porque, em casos de homicídio, a ação penal independe da vontade da vítima. M. não quis falar com a reportagem. J. disse ter sido informado sobre a ordem de prisão há duas semanas pela própria amante, que tinha ido buscar um atestado de bons antecedentes para ele. "Foi um baque." O motorista afirma que ele e M. vivem entre "idas e vindas", mas ainda estão juntos. "Eu não sei se é gostar. É alguma coisa mais forte do que eu." Ele afirma que ambos estão em boas condições de saúde e recebem tratamento gratuito do governo. "Este caso foi um circo", diz Magalhães. "Os dois estão vivos e saudáveis. Não houve tentativa de homicídio. Além disso, não existe essa tipificação na nossa legislação, tentar matar por meio do vírus da aids." "Não lembro de nenhuma condenação no Brasil, um caso concreto", afirma Damásio de Jesus, professor convidado da especialização em Direito Penal da Escola Paulista de Magistratura. Em Espanha e Alemanha, no entanto, já são comuns os processos nos quais a transmissão do vírus foi classificada como tentativa de homicídio. A alegação é de que o réu sabia que tinha o HIV e mesmo assim manteve relações sexuais sem proteção. "As coisas lá acontecem antes", afirma Damásio. O próprio Magalhães diz que há poucas chances de sucesso em recursos aos tribunais em Brasília, porque se trata de decisão de júri popular, referendada pelo Tribunal de Justiça. Depois da condenação a 8 anos de regime fechado e do recurso do réu, o TJ apenas adaptou a decisão para que J. possa pleitear a progressão da pena. Para o professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná, René Ariel Dotti, como J. perdeu o prazo para novo recurso ao TJ, sobram como alternativas uma revisão de pena ou um habeas-corpus ao Superior Tribunal de Justiça. Dotti diz ter dúvidas sobre a condenação. "Acho duvidoso. A tentativa de homicídio depende da probabilidade da contaminação. Se não há 100% de certeza de que em uma relação possa haver o contágio, não houve tentativa de homicídio."

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