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MPE avalia punir Estados e empresas por “acordão” após desastre de Mariana

Para promotores, negociação suspensa pela Justiça vem travando ações regionais de indenização das vítimas

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Por Luiz Vassallo
Atualização:

O Ministério Público de Minas Gerais estuda responsabilizar a Vale, a BHP Billiton, a Samarco e o governo estadual por eventuais prejuízos causados pelo acordo extrajudicial estabelecido entre as empresas e os órgãos públicos em março deste ano. Apesar de a homologação ter sido suspensa pela Justiça Federal em julho, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) continua sendo seguido pelos integrantes e é apontado por atingidos e pelo Ministério Público como “escudo protelatório” das empresas.

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A tragédia completa um ano neste sábado, 5. Para o MPE, o acordou criou uma brecha que vem permitindo que os processos fiquem “estacionados” na Justiça Federal aguardando julgamento de competência. Segundo o TAC, todas as partes envolvidas podem se manifestar em ações coletivas a respeito de assuntos que envolvam a tragédia ambiental. Na prática, segundo promotores, isso permite que a União, por exemplo, se manifeste em ações regionais, o que faz com que os processos subam para a Justiça Federal e fiquem meses paralisados.

Impactos como doenças, desemprego, perda de bens móveis e imóveis motivaram uma ação de danos morais coletivos movida pelo Ministério Público Estadual de Minas Gerais contra a Samarco. O caso saiu da Justiça Estadual em fevereiro deste ano e está parado na Justiça Federal, após uma manifestação da Advocacia Geral da União.Passados oito meses, a juíza Rosilene Maria Clemente de Souza Ferreira, da 12º Vara Federal, aguarda para julgar se o caso é ou não competência da Justiça Estadual de Minas Gerais.

Ruínas do subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana, destruído pela lama. Foto: Marcio Fernandes/Estadão Foto: Marcio Fernandes/Estadão

A promotora Carolina Queiroz de Carvalho alega que a juíza sequer a recebe para uma audiência. “Estamos tentando há vinte dias e a resposta é que somente depois do feriado em novembro poderemos ser encaixados”.

Atualmente, as vítimas dos distritos de Mariana recebem indenizações antecipadas de 20 mil reais, além de auxílio mensal e ressarcimento de Aluguel da Samarco após acolhimento de Ação Civil Pública movida pelo MPE. O promotor Guilherme Meneghin, no entanto, explica que o processo também chegou a ficar parado na Justiça. “Entre fevereiro e julho, o processo foi para a Justiça Federal e aguardou julgamento de competência, e enquanto durou esse período, a Samarco aproveitou para descumprir esse acordo judicial [de indenização antecipada], negando as indenizações estabelecidas às vítimas”. Ele relata ainda que esta é a única ação referente a Direitos Humanos que retornou da Justiça Federal à Estadual após julgamento de competência.

A moradora de Barra Longa Simone Maria da Silva, 39 anos, relata que seus dois filhos tiveram a saúde afetada por respirar a poeira da lama de rejeitos de minérios. “A Samarco me pediu para que eu comprovasse a situação dos meus filhos com um laudo médico e, quando eu o apresentei à empresa, me mandaram para o Sus [Sistema Único de Saúde]”. Na mesma cidade, mora Edivânia de Oliveira, de 36 anos, quediz estar na mesma situação. “A Samarco manda a gente procurar a Prefeitura e ninguém resolve nada, um joga a responsabilidade para o outro”, diz.

Fundação Renova.O acordo também determinou que as empresas responsáveis criassem a Fundação Renova. A entidade, bancada somente com verbas da Samarco, é responsável pela reparação de danos ambientais e pela indenização às vítimas. O conselho da Renova pelo qual passam todas as decisões é formado por sete integrantes, dos quais seis são indicados por Vale, BHP Billiton e Samarco. Para que uma medida seja aprovada, são necessários cinco votos no colegiado.Por ter essa estrutura, a independência da entidade também é questionada pelo Ministério Público Estadual.

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“É a sociedade que tem que ditar como vão ser compensados os danos, não é o infrator que define”, afirma o coordenador do núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais do MPE de MG Carlos Eduardo Ferreira Pinto. “É como se eu batesse no seu carro e eu mesmo definisse como e onde ele vai ser consertado”, diz o promotor Guilherme Meneghin, da Comarca de Mariana, a respeito da responsabilidade da Fundação Renova em reconhecer e indenizar as vítimas.

Validade. Em agosto deste ano, a homologação do acordo foi anulada pela Quinta Turma do TRF da 1º Região, acolhendo o argumento do MPF de que não era competente para julgar o caso. O MPF ainda sustenta que o TAC limita em 4 bilhões os gastos com reparação com danos ambientais. A Procuradoria da República move uma ação civil pública de 155 bilhões de reais contra a Samarco. Desde a suspensão na Justiça, no entanto, os integrantes do acordo têm encarado que ele continua em vigor e permanecem norteando a reparação de danos por meio do termo, com as atividades concentradas na Fundação Renova.

Para o procurador da força tarefa do MPF que investiga a Samarco, Eduardo Santos de Oliveira, sem a homologação, a posição é questionável. “Não podemos evitar que as empresas façam algo relativo ao acordo em prol da reparação de danos, mas não se pode dizer que o acordo continua vigente”. O procurador da República ainda entende que ser necessário rever o papel da Fundação Renova em reconhecer vítimas e reparar danos ambientais e sociais. “As audiências da Fundação com os atingidos são verdadeiras palestras e não tem uma representação adequada das pessoas. Acho que os métodos da Fundação [de diálogo com os atingidos] são criticáveis, e ela é questionável do ponto de vista jurídico, já que o acordo foi anulado”.

Outro lado.O procurador geral do Estado do Espírito Santo, Rodrigo Rabello, defende que o acordo dá mais celeridade à reparação de danos. "Se a gente fosse passar por um processo judicial usual, acho que não demoraria menos do que 10, 15 anos até que ele fosse concluído". A respeito dos questionamentos sobre o poder de reparação de danos concentrado na Fundação Renova, o Procurador do ES rebate. "Eu não posso concordar que o Estado seja o responsável pela reparação, porque ele não consegue prover, em razão de entraves burocráticos para a realização das obras necessárias". O procurador geral do Espírito Santo diz concordar com o reconhecimento dos atingidos segundo os termos do acordo. "Os enquadrados no formato que foi definido estarão satisfeitos, e os insatisfeitos serão os que não estão, mas acredito que o TAC gere mais satisfação do que uma ação judicial".

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Por meio de nota, a Vale afirma que a Fundação Renova é, sim, independente e foi criada a pedido da União Federal e dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo quando da celebração do acordo. E ainda esclarece que a homologação do acordo entre órgãos públicos e empresas está suspensa, mas que o TAC continua em vigor e os programas por ele previstos estão sendo cumpridos.

A Samarco afirma que "o reconhecimento do direito à reparação é um assunto complexo. Muitas vezes há divergência ou ausência de documentação ou declarações mínimas necessárias para suportar o processo, o que pode demandar tempo na concessão de reparação ou auxílio emergencial. Há abertura para o diálogo sobre processos e comprovações que possam facilitar e acelerar a reparação".

A Advocacia-Geral de Minas Gerais informa que ação em curso, proposta pelo Ministério Público Federal contra a União, os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, e as empresas envolvidas, foi realizada audiência de conciliação, sem análise até o momento das liminares requeridas, tendo sido suspensa para entendimentos entre as partes, prestigiando-se uma solução consensual.

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A Advocacia de Minas considera Importante ressaltar que o principal objetivo do Termo de Transação e Ajustamento de conduta é a previsão de programas e projetos, a serem implementados por meio da Samarco e da Fundação Renova, para recuperar o meio ambiente e as condições socioeconômicas da área impactada pelo desastre, além da adoção das medidas de mitigação, compensação e indenização necessárias.

Já a Advocacia-Geral da União destaca que o acordo não foi anulado. “Foi anulado apenas o ato de homologação do acordo”, diz o órgão. A AGU diz que o acordo não impede a responsabilização criminal dos envolvidos. Segundo o órgão, o acordo “evita que se discuta se as empresas são ou não responsáveis, no âmbito civil, pelo desastre, pois elas já reconhecem a sua responsabilidade e já passam a aportar valores na Fundação Renova. Passado um ano da tragédia, não há outra proposta de solução para os problemas decorrentes do desastre”.

Ainda segundo a AGU, “o Ministério Público muito criticou o acordo, mas não apresenta outra proposta de solução, apenas ajuizou uma ação cobrando 155 bilhões de reais das empresas, sem indicar como se daria o financiamento dessa soma, ou se isso levaria à falência das empresas, resultando na integral necessidade de dinheiro público para arcar com os efeitos da tragédia”.

A juíza federal Rosilene Maria Clemente de Souza Ferreira afirma "que foram distribuídas a esta 12ª Vara/SJMG cerca de 50 ações relacionadas ao desastre ambiental em Mariana. Vários desses processos foram devolvidos às Varas de origem, por se tratar de assuntos localizados, o que foi ressalvado na decisão do Conflito de Competência de n. 144922, suscitado pela Samarco Mineração S/A perante o STJ, que declarou competente o Juízo da 12ª Vara Federal desta Seção Judiciária. Restam, aproximadamente, 17 complexas ações em tramitação".

A magistrada esclarece que a ação referente a Barra Longa "não está parada desde fevereiro de 2016". Segundo a Juíza, ela "começou a atuar nos processos referentes ao desastre ambiental de Mariana apenas em junho de 2016, uma vez que estava prestando auxílio à Turma Recursal, com prejuízo de sua jurisdição na 12ª Vara".