MPF vai investigar sites pornôs que usam fotos roubadas de menores

Após denúncia feita pelo ‘Estado’, procuradora vai apurar disseminação de imagens, crime que pode dar até 6 anos de prisão

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Por Luiz Fernando Toledo e Juliana Diógenes
Atualização:

SÃO PAULO - O Ministério Público Federal (MPF) vai investigar sites de pornografia que lucram com fotos roubadas de mulheres e adolescentes, após denúncia revelada pelo Estado neste domingo, 12. Na esfera criminal, o órgão vai apurar a disseminação de imagens de pornografia infantil, crime que pode dar de 3 a 6 anos de prisão. Já na área cível, a Procuradoria estuda investigar crime de ofensa por discriminação de gênero. 

A reportagem levou ao MPF os nomes de todos os sites e explicou como os proprietários ganham dinheiro com eles. No País, entre as 30 maiores páginas identificadas pelo Estado que não checam a procedência do conteúdo publicado, a audiência mensal chega a até 3,5 milhões de visualizações e pode render R$ 95 mil por ano para cada administrador. 

Mulheres também falam de medo após ameaças Foto: Reprodução

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Foi identificado quem registrou cada domínio – endereço virtual –, com base no site who.is, mesmo instrumento usado pelo MPF em investigações. Os donos desses sites estão em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Goiás, Santa Catarina, Ceará, Mato Grosso e Alagoas.

“Vamos instaurar uma investigação tanto para apurar crime quanto para verificar essa ofensa à questão de gênero no cível. Para apurar crime, certamente vai ser aberta investigação para verificar os delitos de veiculação de pornografia infantil”, afirma a procuradora da República Fernanda Teixeira. 

Ela explica que casos envolvendo pornografia adulta não podem ser apurados pelo MPF, uma vez que são crimes de caráter privado. Nessas situações, a pessoa ofendida tem de abrir uma ação penal por injúria e difamação.

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“No cível, vamos instaurar um procedimento para apurar a violação à questão de gênero. Este é mais difícil e precisamos analisar melhor como enquadrar. Mas é como se existisse (nesses sites) um incentivo à discriminação de gênero. Isso não é crime, mas viola o interesse da sociedade”, explica a procuradora. Segundo Fernanda, os sites depreciam o gênero feminino ao descrever as mulheres nas fotos com xingamentos. 

WhatsApp e Telegram. Dias antes de ser procurado pelo Estado, o MPF já havia recebido denúncias de fotos de nudez não autorizadas, incluindo de menores de idade, que estariam sendo veiculadas em grupos de aplicativos de conversa instantânea, como Telegram e WhatsApp.

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Russo e sem sede no Brasil, o Telegram é o mais complicado para investigar. Os grupos são abertos e encontrados a partir de pesquisa por palavra-chave – não precisam de convite para entrar, como no WhatsApp, o que, segundo os investigadores, dificulta a apuração. “Quando não tem representação no Brasil é mais complicado. E também quando a empresa não se dispõe a conversar fica difícil”, diz a procuradora.

Segundo o professor de mídias digitais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Gil Giardelli, o Brasil está entre os três países do mundo que mais consomem pornografia, junto com Estados Unidos e Rússia, e é um dos que menos aplicam punições. “As regras são muito pesadas em outros países. Nos Estados Unidos, se aprontar demais a CIA bate na sua porta. Aqui as ações ainda são poucas e pontuais. O Brasil é conhecido por ser o que mais faz ataques cibernéticos.” 

De acordo com Giardelli, a impunidade, atrelada ao lucro, estimula novas adesões. “Existe um conceito que se chama colapso da ética. Quando todo mundo sente que está impune, cada dia mais vai ter mais gente fazendo. É o conceito de rede. ‘Estou ganhando R$ 90 mil por ano sem sair de casa’. Mais pessoas vão começar a fazer isso.”

Desgaste. Colegas de classe de uma universitária de 19 anos sabem bem o que é impunidade. Há dois anos, quando ainda estava na escola e era menor de idade, eles acessaram o celular da menina quando ela saiu da sala por alguns minutos e roubaram fotos íntimas.

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Ela mandava os “nudes” para o namorado e as imagens estavam salvas no telefone. Os colegas espalharam as fotos em aplicativos de bate-papo e em sites. A jovem disse que não denunciou os garotos para evitar desgaste. Ela teve apoio da mãe, que não brigou, mas aconselhou a estudante a ter mais cuidado. “Costumo apagar agora, mas continuo mandando ‘nudes’. Tomo mais cuidado com quem pode pegar meu celular. Não dá para confiar em ninguém.”

‘Quem não deve não teme’, diz dono de 30 sites

Proprietário do Brasil Tudo Liberado, um dos maiores sites de pornografia amadora do Brasil, que lucra ao expor imagens sem o consentimento de mulheres - o Estado identificou ao menos uma adolescente entre elas -, Danilson Vieira Lobo diz ser responsável por pelo menos 30 outros sites adultos. Por mês, somente o Brasil Tudo Liberado tem 2,3 milhões de acessos. O número foi rastreado pelo site Similar Web, que só quantifica as páginas iniciais e, por isso, a quantidade de acessos pode ser até quatro vezes maior. 

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Ao ser informado de que as autoridades foram acionadas pela reportagem, Lobo disse: “Tá ok. Não temos nenhum medo. Quem não deve não teme”. O Brasil Tudo Liberado foi registrado em nome de uma empresa de tecnologia de informação de Goiânia, a Danilson Vieira Lobo - Eireli - ME (nome fantasia C-A Network). 

O Estado entrou em contato com os responsáveis e foi atendido por um homem que se identificou como Jester Guimarães. Ele disse à reportagem que o telefone registrado pela C-A Network é, na verdade, da contabilidade da empresa, mas confirmou que atende à companhia. “Quando o cliente constitui a empresa, não tem telefone definido. Aí eles colocam o da contabilidade. Por mais que seja nosso cliente, essa responsabilidade é dele”, disse.

Minutos após a ligação, o proprietário contatou a reportagem por WhatsApp. “A empresa é responsável por mais de 30 sites adultos. E eu sou responsável pela empresa”, disse Lobo. Ao ser questionado sobre imagens de meninas menores de idade no site, ele pediu os links para que fossem removidos do ar. “Amigo, você é falso repórter, né? Nós não sabemos a idade de ninguém. Não é solicitado documento para isso.” 

Executivo. No perfil do Facebook, ele se identifica como Danilson Lobo, “diretor executivo na empresa CNNamador”, um dos cinco sites pornográficos mais visitados do País. Não há informações públicas como local de criação e nome de registro do CNNamador. Portanto, não é possível identificar o proprietário. A página oficial do CNNamador no Facebook, porém, informa que o site está localizado em Goiânia, mesma cidade informada por Danilson.

Procurado pelo e-mail indicado no site, o Brasil Tudo Liberado disse que é “totalmente contra pedofilia” e que o conteúdo de menores é retirado somente em caso de denúncia.

‘Penalizar as pessoas certas demanda tempo’

Especialista em Direito digital e membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB-SP, Camilla do Vale Jimene diz que a legislação de crimes cibernéticos amadureceu, mas inovações tecnológicas e investigação técnica ainda emperram o processo.

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Proprietários de sites podem ser punidos?

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê um tipo penal tanto para quem produz, fotografa ou filma crianças e adolescentes em situação pornográfica quanto para quem publica. Não é criminoso só quem fez e mandou para publicação. Lógico que uma investigação da internet pode levar a crer que o dono indicado em um site, por exemplo, está envolvido. Mas, às vezes, pode informar um nome falso. Para penalizar as pessoas certas, é importante uma investigação técnica. Isso envolve quebras de sigilo com necessidade de ordem judicial, o que demanda um tempo para ser feito.

A lei é rígida o suficiente?

O ECA foi feito na década de 90 e não previu crime de pornografia infantil na internet porque nem sequer existia internet comercial na época. É natural que o legislador não consiga prever todas as inovações tecnológicas que virão. A lei amadureceu nos últimos 10 anos. E ela amadurece de acordo com os problemas que vão surgindo, especialmente no ambiente da tecnologia. 

Redes sociais e apps de conversa dificultam as investigações? 

A grande discussão hoje está nos aplicativos de troca instantânea de mensagens. O que os donos desses chats dizem é que, tecnicamente, não é possível entregar a comunicação. Mas a polícia e a Justiça dizem que dá para fazer. O importante é que nenhum ambiente seja blindado e ou se sobreponha à lei.