Manobras escondem mortes cometidas pela polícia no País, diz ONU

Segundo a organização, assassinatos são frequentemente apontados como 'ocorrências regulares' e se tornam 'invisíveis'

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Por Jamil Chade
Atualização:

ZURIQUE - A Organização das Nações Unidas (ONU) acusa o Brasil de manter prisioneiros em condições "cruéis e desumanas" e alerta que os assassinatos cometidos por policiais são classificados "ocorrências regulares". Em um informe produzido pelo relator da ONU contra a Tortura, Juan Mendez, e que será apresentado na semana que vem em Genebra, na Suíça, a entidade denuncia ainda os "esforços" das autoridades brasileiras por tornar "invisíveis" os homicídios cometidos por policiais.O Estado aguarda a posição do Ministério da Justiça sobre o informe.

Usando dados nacionais, a ONU indica que em média seis pessoas por dia morreram no Brasil em 2013 em operações policiais. Nos últimos meses, as mortes com participação da polícias aumentaram 2% nos últimos meses, enquanto a taxa geral de homicídios caiu. 

Em outubro, as investigações que apuraram a morte do vigilante Alex de Morais, de 39 anos, concluíram queele não morreu depois de ser atropelado por uma moto em alta velocidade, como afirmaram dois policiais militares que atenderam o caso, mas que foi vítima de homicídio. O caso aconteceu em Sapopemba, na zona leste da capital Foto: Reprodução

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"Ainda que algumas mortes cometidas por policiais resultem de uso legítimo da força, muitas, não", disse Mendez. "Na vasta maioria dos casos de uso excessivo de força, a polícia apresenta com frequência informes indicando resistência à prisão, seguida por morte. "Isso, portanto, evita o dever de trazer os autores diante de uma Corte", indicou.

Em 220 investigações, apenas uma resultou em uma condenação. A ONU, portanto, pede o fim da classificação de "atos de resistência". 

"Nas prisões, a taxa de mortes é muito alta", disse Mendez. Usando dados do Infopen, ele aponta que 545 mortes foram registradas na primeira metade de 2014, com cerca de metade sendo intencional. A taxa é de 167,5 por cada 100 mil pessoas por ano. Mas, em um dos Estados, a taxa seria de 1,5 mil por 100 mil.

Segundo a ONU, existe um protocolo do Ministério da Justiça para investigar homicídios. Mas não existe um para investigar casos atribuídos a forças de ordem. "Esforços significativos são feitos para torná-los invisíveis", escreveu Mendez, em uma referência aos homicídios cometidos pela polícia. Ele, porém, não especifica a quem é a acusação.

O informe também ataca a situação das prisões. "Condições de detenção são equivalentes a um tratamento cruel, desumano e degradante", diz a ONU. "Superlotação severa leva a uma condição caótica dentro das instalações", apontou. "Impunidade continua a regra", acusou. 

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Segundo a ONU, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com 711 mil pessoas. Há 30 anos, a população era de 60 mil. Entre 2005 e 2012, a alta foi de 74% e 60,8% dos prisioneiros eram de descendência africana. 

A entidade também critica a estratégia brasileira. "Apesar de investimentos do governo de R$ 1,2 bilhão para criar uma capacidade adicional de prisões, o aumento contínuo de detentos criou um sistema penitenciário marcado por uma superlotação endêmica", escreveu Mendez. Segundo ele, em um dos Estados, a taxa de ocupação é 265% acima da capacidade.

Mendez pede que o governo foque suas atenções em reduzir a população carcerária, e não aumentar prisões. Para isso, sugere medidas alternativas. Mas deixa claro que abrir mão de penas contra violência doméstica também não é o caminho. 

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