PUBLICIDADE

Os desafios de uma cidade sem problemas

Pousos, bairros e até casas verdes. Suecos querem menos CO2 no ar

Por Bruno Paes Manso
Atualização:

Na sala de controle de vôo do Aeroporto de Arlanda, em Estocolmo, na Suécia, Niclas Härenstam, gerente do LFV Group, empresa que cuida dos terminais no país, mostra na tela do computador a nova tecnologia que permite saber com precisão de segundos o tempo de viagem de uma aeronave desde o momento em que decola até quando chega ao solo. Sem desastres recentes na aviação local, durante mais de uma hora de apresentação, em nenhum momento ele relaciona os investimentos com a diminuição dos riscos de voar. O tema parece discussão antiga, assim como outros debates tão recorrentes em São Paulo. Em Estocolmo, uma das regiões mais limpas e verdes da Europa, com sete séculos de história e habitantes que recebem em média 3 mil por mês, descobre-se quais são os desafios de uma cidade sem problemas. Enquanto toma café no meio de outros controladores de vôo, Härenstam se concentra em mostrar como a aeronave que se aproxima de Arlanda, piscando na tela do computador, prepara-se para colocar o motor em ponto morto, a chamada posição idle, para descer na "banguela" e dessa maneira diminuir a emissão de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Desde que as chamadas aterrissagens verdes, inventadas na Suécia, começaram a operar em Arlanda, em janeiro de 2006, deixaram de ser lançadas na atmosfera 900 toneladas de CO2. "As aterrissagens nos aeroportos da Suécia correspondem a menos de 0,001% da emissão de CO2 no mundo. É pouco, mas não importa. Todos devem ser responsáveis por suas emissões", diz Härenstam. Longe de se tratar do idealismo pueril de um remanescente da geração hippie, em Estocolmo, assuntos relacionados ao aquecimento global, como uso de combustíveis ambientalmente corretos (ou environmentally friendly), reciclagem de carros, casas que se aquecem com baixo consumo de energia (passive houses), entre outras discussões que em uma cidade como São Paulo ganham ares de utopia, são prioritárias e estranhamente debatidas como questões cotidianas. "Trabalhamos em Estocolmo o conceito de simbiocity, ou seja, tentamos viver em uma cidade em simbiose com o planeta. E a partir da cidade tentamos pensar em soluções para o desenvolvimento urbanístico sustentável no mundo", explica o professor Hans Lundberg, do Instituto Sueco de Pesquisas Ambientais. Com um brinco de argola na orelha esquerda, Erik Freudenthal, um cinquentão que coordena as informações ambientais de Hammarby Sjöstad, a Cidade do Lago, considerada um dos mais importantes exemplos de bairro sustentável no mundo, apresenta os feitos do empreendimento, visitado anualmente por 10 mil estrangeiros. Com 11 mil unidades residenciais para 25 mil moradores, cada apartamento tem dois quartos e custa cerca de 400 mil. Planejado por especialistas de diferentes áreas de conhecimento, o bairro conta com uma moderna tecnologia voltada para transformar as sobras diárias dos moradores em energia. As sobras de comida, por exemplo, voltam para o solo como fertilizantes. O mesmo ocorre com o esgoto, em que os componentes sólidos são tratados e se transformam em biogás, combustível limpo que pode encher os tanques dos carros verdes. A façanha faz com que os moradores do bairro tenham um adesivo popular em seus banheiros, que recomenda: "Não faça no escritório, faça em casa." Para administrar a cidade, os coordenadores misturam metas rígidas a um certo idealismo tipicamente sueco. Até 2010, por exemplo, 80% dos residentes devem fazer suas jornadas entre a casa e o trabalho de transporte coletivo. O consumo de água diário por habitante deverá ser reduzido a 100 litros por dia (metade da média sueca) e 95% do fósforo da água não aproveitada deverá ser reutilizado na plantação. Freudenthal não resiste e acaba a apresentação com uma citação hippie: "Nós não herdamos as terras de nossos ancestrais. Apenas a emprestamos de nossos filhos e netos. É esse espírito que seguimos."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.