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Papel higiênico e bituca levam PF a identificar bandidos

Peritos usaram vestígios de DNA encontrados em imóvel suspeito para descobrir responsáveis por mega-assalto no Paraguai em 2017

Foto do author Felipe Frazão
Por Fabio Serapião e Felipe Frazão
Atualização:
Linha de produção. Peritos analisaram mais de 300 vestígios achados no Paraguai Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

BRASÍLIA - Os DNAs achados em um cabo de barbeador, num gargalo de garrafa de cerveja, na bituca de um cigarro, numa toalha, em uma xícara e em um pedaço de papel higiênico usado levaram a Polícia Federal a identificar sete membros da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) que participaram do assalto à empresa de transporte de valores Prosegur, em Ciudad del Este, no Paraguai. Um policial e três bandidos morreram em abril de 2017 no roubo, considerado o maior da história do país pelas autoridades paraguaias.

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A identificação é resultado do trabalho inédito dos peritos criminais do laboratório de genética forense do Instituto Nacional de Criminalística (INC) da PF. Embora não abra informações sigilosas sobre os bandidos, o perito Ronaldo Carneiro, responsável pelo laboratório, afirma que é a primeira vez que esse tipo de tecnologia é utilizada em uma investigação contra uma grande organização criminosa ligada ao narcotráfico. Esses e outros vestígios foram apreendidos em uma casa no bairro San José, perto da sede da Prosegur, usada como “quartel-general” pelos criminosos.

Esse material revelou que ao menos 32 pessoas, entre elas os 7 identificados até o momento, participaram do assalto. Com cenas cinematográficas, o roubo terminou com pelo menos 19 carros incendiados nas redondezas da empresa, disparos de armas pesadas, como metralhadoras ponto 50 (capaz de abater helicópteros), além de explosões que derrubaram parte do prédio da Prosegur.

À época, a polícia paraguaia chegou a divulgar que cerca de US$ 40 milhões (R$ 130 milhões) teriam sido roubados. A empresa, porém, declarou oficialmente ao Ministério Público que o valor subtraído foi de US$ 11,7 milhões (cerca de R$ 38 milhões) em dinheiro em espécie - cédulas de dólares, reais e guaranis, a moeda paraguaia - e cheques. Só U$ 1,5 milhão (R$ 4,9 milhões) foi recuperado.

Processo. O mapeamento do DNA foi feito de três formas. No caso dos suspeitos que haviam sido presos logo após o crime, na tentativa de fuga, o trabalho dos peritos foi comparar os perfis genéticos achados nos vestígios com os coletados dos suspeitos na hora da prisão. 

O Estado apurou que essa confirmação serviu para que a Justiça mantivesse na cadeia José Roberto Monteiro, Alex Sandro Santos, José Luis Cardozo Almeida e Denílson Moreira Días. Outros dois bandidos mortos no confronto com a polícia também foram identificados como autores do assalto dessa forma. São eles: Claudinei Luciano Pereira e Dyego Santos Silva.

Já Alcides Pereira da Silva Júnior, apontado como um dos líderes, foi identificado graças à integração entre o banco de dados de perfis genéticos da PF com a Rede Integrada de Bancos de Dados de Perfis Genéticos, que armazena os dados da Polícia Federal e de outros 19 bancos estaduais. Sob responsabilidade do Ministério da Justiça, a rede foi acionada assim que os peritos em genética forense terminaram o procedimento laboratorial.

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Dias após o assalto, ao inserir essas informações na rede, os peritos receberam a informação de que aquele perfil genético havia sido achado na cena de outro crime, no Estado de São Paulo em 2013. Após a confirmação sobre a relação do DNA dos dois crimes, descobriram que o perfil genético era idêntico ao de Silva Júnior, preso um dia após o roubo no Paraguai, ao tentar viajar com documento falso em Cascavel (PR).

O próximo passo, diz Carneiro, é esperar para que novos perfis genéticos a serem coletados em outras cenas de crime sejam incluídos na rede nacional para que as 25 pessoas que frequentaram o imóvel dos bandidos sejam identificadas.

Denúncia. O Ministério Público (MP) do Paraguai deve apresentar até maio a denúncia formal à Justiça. Os fiscais responsáveis, Denice Duarte e Marcelo Saldivar, querem solicitar a transferência de competência para que os criminosos sejam processados no Brasil, em vez de responderem como réus somente no Paraguai. Isso deve ocorrer porque eles são brasileiros natos e têm pendências no Judiciário brasileiro, o que, conforme os tratados, impede que sejam extraditados ao país vizinho para julgamento.

Os nove suspeitos foram indiciados à revelia no Paraguai por roubo com resultado de morte e associação criminosa, puníveis com 8 a 30 anos de cadeia no país. “Foi fundamental a identificação por meio do DNA, porque os suspeitos haviam sido detidos no Brasil. A comparação com os vestígios da casa usada antes do assalto deu positivo, e assim eles foram vinculados ao crime”, disse a fiscal Denice Duarte ao Estado. Também foi indiciado o argentino Néstor Ariel Palma Bustamante. Segundo os investigadores, ele não possui vínculos claros com o PCC, mas forneceu o “QG” onde o bando preparou a ação.

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Em ritmo industrial, peritos fazem trabalho de um ano

Uma mudança no modelo de trabalho dos peritos de genética forense do Instituto Nacional de Criminalística (INC) permitiu à Polícia Federal mapear os 32 perfis genéticos nos vestígios encontrados na mansão alugada pelo PCC no Paraguai. Segundo o perito Ronaldo Carneiro, responsável pela área de perícias, para dar uma resposta rápida ao pedido dos investigadores foi criada uma força-tarefa e o trabalho se desenvolveu como uma linha de montagem industrial.

Assim que os vestígios chegaram ao INC, a equipe de 12 peritos se dividiu em três grupos. O primeiro ficou responsável por abrir todos os vestígios e, com base neles, criar uma amostra. O segundo grupo se encarregou de todo o processo laboratorial de elaboração do perfil genético. Esses peritos extraem o DNA dos vestígios, descobrem se há quantidade necessária para análise, ampliam o material para facilitar a leitura e o inserem no equipamento que traça o perfil genético.

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Já a terceira equipe coloca os dados no banco de dados federal e produz o laudo que, posteriormente, é usado como prova no processo judicial. “O laboratório se transformou em uma linha de produção. Com a especialização das equipes, conseguimos analisar mais de 300 vestígios – em casos normais são, no máximo, 5. Analisamos no caso Prosegur (a quantidade) de material com que trabalhamos em quase todos os casos do ano”, diz Carneiro.

Segundo o delegado Fabiano Bordignon, chefe da PF de Foz do Iguaçu, a identificação só foi possível pelo trabalho integrado entre as forças de segurança brasileira e paraguaia.

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