PUBLICIDADE

Para ministro do STF, aprovação da PEC foi inconstitucional

Marco Aurélio criticou ação; para juristas, expediente na Câmara para aprovar redução da maioridade pode configurar até ‘fraude’

Foto do author Beatriz Bulla
Foto do author Marco Antônio Carvalho
Por Beatriz Bulla , , Daniel de Carvalho e Marco Antônio Carvalho
Atualização:

Atualizada às 23h25

PUBLICIDADE

BRASÍLIA - O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificou como “inconstitucional” a forma como foi aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/93) da redução da maioridade penal. Chamada de “pedalada regimental”, a manobra adotada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi alvo de críticas de parlamentares e de juristas. 

Em entrevista à Rádio Estadão nesta quinta-feira, 2, Marco Aurélio citou o parágrafo 5.º, do artigo 60 da Constituição. “Temos uma regra, em bom português, segundo a qual a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Nesse período muito curto, de (menos de) 48 horas, nós não tivemos duas sessões legislativas, tivemos uma única.” 

O ministro já acabou vencido, porém, em discussão semelhante que ocorreu em 1996 no Supremo, quando a maioria entendeu que não era o caso de suspender a tramitação de uma proposta que alterava o sistema de Previdência Social. Um grupo de deputados recorreu à Corte, à época, para tentar barrar o avanço de proposta porque o texto havia sido rejeitado inicialmente por falta de quórum, mas acabou sendo aprovado no mesmo mês por emenda aglutinativa ao projeto original. 

Relator da ação na época, o ministro Marco Aurélio teve entendimento diferente da maioria. Para ele, não são “alterações sutis” na proposta que fazem com que o assunto possa ser analisado em uma mesma sessão legislativa. Além de Marco Aurélio, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa também se manifestou nesta quinta dizendo que o texto aprovado fere a Constituição. “Matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”, escreveu, no Twitter. 

A Secretaria-Geral da Mesa da Câmara respondeu que não houve apresentação de uma mesma proposta já rejeitada, no caso da maioridade penal, porque o processo ainda não havia sido concluído. Para os assessores da Câmara, essa conclusão só ocorre quando um dos textos (emenda substitutiva ou emenda aglutinativa) é aprovado ou todos, incluindo a proposta original, última a ser analisada, são rejeitados. 

Apesar da decisão anterior, a apresentação de pedido semelhante agora pode ter nova interpretação. Da composição do STF à época só restam Marco Aurélio e Celso de Mello. 

Publicidade

Marco Aurélio (à esq). Em 1996, a sua tese foi derrotada Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

Só em 2016. Especialistas em direito constitucional ouvidos pelo Estado também veem inconstitucionalidade. Para alguns, seria necessário até aguardar o início de uma nova sessão legislativa em 2016 para colocar em plenário uma sugestão de emenda com o mesmo tema. “Não basta dar novos contornos a um dos termos. Não pode uma proposta de emenda ficar nas mãos de um revanchismo infantil, que é o que está acontecendo”, disse o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Luiz Guilherme Arcaro Conci.

Para o professor Pedro Estevam Serrano, também da PUC-SP, pode-se falar até em “fraude”. “O expediente que a Mesa procurou usar foi alterar um pouco o conteúdo do projeto, de forma a abrandá-lo e criar nova proposta. Mas isso obviamente é expediente que se chama de fraude no sentido geral, que é um tipo de desobediência à norma jurídica”, explicou.

Para todos, a discussão no Supremo é inevitável. “A jurisprudência é de que a Corte tende a não intervir na atividade do Legislativo, mas há casos excepcionais e um deles é a nova votação de uma matéria já rejeitada”, afirmou o professor Michael Freitas Mohallem, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ).

O jurista Miguel Reale Júnior ainda questiona a lógica do texto aprovado. “Não deixa de ser ilógico que só jovens que cometeram homicídios é que têm capacidade de entendimento e autodeterminação (aos 16 anos). Agora, quando um menor praticar roubo à mão armada, ele não tem essa capacidade. Quero ver alguém explicar isso.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.