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Penitenciária em Roraima ainda tem 8 presos ‘desaparecidos’

Relatório de peritos constatou cena precária na cadeia, seis meses após rebelião; caso é investigado, diz governo

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Por Marco Antônio Carvalho
Atualização:
Monte Cristo. Novo presídio está em fase de planejamento Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Mesmo após as mais de 30 mortes decorrentes de uma rebelião na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, o cenário de violência, com atuação de facções criminosas, e condições de infraestrutura consideradas péssimas permanece como realidade em Roraima. As constatações foram feitas por equipes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, do Ministério dos Direitos Humanos, em visita às unidades do Estado. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) está pedindo o indiciamento da governadora Suely Campos (PP) por crime de responsabilidade em razão da situação do sistema prisional.

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O relatório de 139 páginas do Mecanismo reúne dados sobre unidades prisionais e de cumprimento de medidas socioeducativas de Roraima. O foco do documento é a Penitenciária Monte Cristo, onde no dia 8 de janeiro 33 foram assassinados no contexto de uma briga nacional entre facções. A exemplo do que aconteceu na Grande Natal - onde na semana seguinte mais de vinte seriam mortos e 11 continuam “desaparecidos" -, o sistema de Roraima tem oito pessoas das quais não se conhece o paradeiro, de acordo com os peritos.

“A administração prisional não consegue localizar oito pessoas que deveriam estar privadas de liberdade em Monte Cristo, mas se encontram desaparecidas desde a última rebelião. Os órgãos públicos desconhecem se esses indivíduos estão mortos ou foragidos”, escrevem os servidores. Uma série de outras constatações sobre a violência da unidade compõe o relatório.

O Mecanismo diz haver um “contexto persistente” de violação de direitos humanos. “A presença de facções criminais, péssimas condições infraestruturais, superlotação, ausência de rotinas institucionais, falta de segurança jurídica, dificuldade de acesso a garantias previstas em lei são apenas alguns aspectos relativos a um cotidiano prisional desenvolvido desde muito tempo em Monte Cristo, evidenciado nos últimos meses”, escrevem.

As equipes visitaram duas vezes a unidade onde aconteceu o massacre e disseram ter visto pessoas “umas sobre as outras” pela falta de espaço em suas celas, “quase todas com a estrutura degradada”. “Muitos lugares da unidade, construídos originalmente para abrigar uma pessoa, se destinariam a oito, impedindo qualquer manutenção de uma vida digna. O lixo, os insetos, o mau cheiro e os excrementos humanos dividem espaço com os presos, que não dispõem de atividades durante a maior parte de sua privação de liberdade”, completam.

Segundo eles, a única rotina sistemática do local é referente à entrada três vezes ao dia de agentes escoltados por policiais militares armados com espingardas e fuzis para a entrega de refeições. Os peritos disseram ter ouvido dos agentes que eles não se sentem seguros para realizar atividades de custódia e, por isso, só entram na unidade acompanhados de PMs. “Nos momentos em que a polícia e os agentes não estão fisicamente presentes na unidade, o que corresponde à maior parte do dia, os presos se agrupam, prescrevem e aplicam suas próprias regras, formando e consolidando as facções”, detalha o relatório.

O Mecanismo diz ainda parecer haver um “acordo tácito” entre Estado e presos já que é sabido que os detentos conseguem abrir os cadeados das celas. “É importante apontar que a ação das facções é em grande medida fruto da escolha do Estado em ser omisso na sua função de execução penal, em adotar sistematicamente práticas de tortura contra os presos e em violar direitos básicos durante a privação de liberdade de uma pessoa.”

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O relatório é encerrado com recomendações ao governo e à Secretaria de Justiça do Estado para, entre outros pontos, elaborar um plano de manutenção da Monte Cristo, revisão da atuação da PM na unidade e investigação urgente dos casos dos presos desaparecidos.

Assembleia. A Assembleia Legislativa de Roraima aprovou relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Prisional. Os componentes da comissão entenderam que 13 servidores, entre eles a governadora Suely Campos (PP), cometeram crime de responsabilidade diante do massacre das más condições do sistema prisional do Estado. O relator, Jorge Everton (PMDB), entende que, diante dessas acusações, há embasamento para um pedido de impeachment.

A CPI elencou uma série de problemas nas unidades, como superlotação, falta de medicamentos e atendimento médico aos presos, além da taxa de presos provisórios (50%). A investigação se deteve ainda nas denúncias de que a alimentação que entrava nas unidades prisionais não era supervisionada, além da ausência de agentes penitenciários compatíveis com o número de detentos, falta de políticas governamentais para ressocialização, e de empresas contratadas e pagas supostamente sem o devido processo licitatório.

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Força-tarefa. Em nota, o governo de Roraima disse ter instaurado uma força-tarefa para “investigar e identificar possíveis responsáveis”. “As investigações seguem em sigilo”. Sobre as condições do sistema, a gestão disse estar promovendo “uma série de ações para melhorar o sistema”, citando a primeira reforma em 28 anos na Monte Cristo para “adequação na estrutura física”.

“O Governo construirá um novo presídio, com os recursos recebidos do Ministério da Justiça. A previsão para licitação da obra é para este mês de julho”, disse.Sobre a CPI, a nota disse que “a defesa da governadora Suely Campos vai provar a inexistência da prática de crime de responsabilidade administrativa, uma vez que todos os atos foram executados de forma transparente e dentro da legalidade”.

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