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Rede pública pode interromper gravidez após estupro desde 98

Legislação é de 1940, mas só há 12 anos norma técnica foi assinada pelo então ministro da [br]Saúde, José Serra

Por Ligia Formenti
Atualização:

A lei brasileira permite a realização do aborto em duas situações: quando a gestação coloca em risco a vida da mulher ou quando a gravidez é resultado de estupro. Embora prevista desde 1940, somente em 1998, com uma norma técnica assinada pelo então ministro da Saúde, José Serra, é que a interrupção da gravidez resultante de violência sexual passou a ser oferecida nos serviços públicos de saúde.O documento, voltado para o atendimento de vítimas de violência, lista desde a infraestrutura necessária até as técnicas e prazos em que interrupção pode ser realizada.A lentidão para colocar em prática algo já previsto em lei reflete a dificuldade com que o assunto é tratado no Brasil. Tema recorrente em disputas eleitorais, ele já foi apontado, por diversas vezes, como responsável pela derrota de alguns candidatos. "Daí a dificuldade com que políticos tratam o tema", avalia a secretária executiva da ONG Rede Feminista de Saúde, Télia Negrão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Além do aborto legal, o manual de 1998 relacionava uma série de medidas de emergência para as vítimas de violência sexual. Entre elas, medicamentos para evitar doenças infecciosas e outro ponto bastante polêmico: a pílula do dia seguinte.Remédio feito à base de um hormônio, a pílula já havia sido mencionada em um outro documento, de 1996, sobre planejamento familiar. O manual havia sido precedido por uma lei sobre o assunto, assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ministro da Saúde da época, Adib Jatene. O método somente ganhou força a partir de 2000, quando o Ministério da Saúde passou a comprar e distribuir o medicamento de forma a suplementar as aquisições feitas por Estados e municípios.As duas medidas, aplaudidas por especialistas em saúde pública e grupos feministas, foram duramente criticadas por setores religiosos.No caso da pílula, sob a justificativa de que o remédio era abortivo. "Essa é uma alegação inconsequente, inconsistente. Nenhum estudo científico comprova essa hipótese", afirma o ginecologista Jefferson Drezett, integrante do Consórcio Latino-Americano de Anticoncepção de Emergência.Drezett sustenta que todas as pesquisas recentes mostram que a pílula age retardando a ovulação ou impedindo o encontro do espermatozoide com o óvulo, exatamente o mesmo mecanismos dos demais métodos contraceptivos. "Religiosos demonstram grande teimosia em aceitar constatações científicas."O uso da pílula do dia seguinte é apontado por especialistas como uma das causas da redução tanto no número de abortos legais realizados pelo sistema público quanto das curetagens, relacionadas ou não a abortos espontâneos. Uma tendência animadora, sobretudo quando se analisam dados gerais. De acordo com o ministério, uma em cada sete brasileiras de até 40 anos já fez um aborto.Campanhas. A polêmica sobre o aborto não reflete a posição que o Brasil tem adotado no cenário internacional. Problema de saúde mundial, a interrupção da gravidez foi um dos temas tratados durante a Conferência do Cairo, organizada pelo Fundo das Nações Unidas para População e Desenvolvimento Humano. No encontro, em 1994, o Brasil assumiu o compromisso de rever a criminalização do aborto. "O tema, que deveria ser discutido dentro da saúde pública, passou a ser alvo de um verdadeiro cerco aos candidatos por grupos conservadores", avalia Telia. Os exemplos são vários. "A derrota de Lula nas eleições de 1989 para Collor, depois do episódio Lurian, é uma delas", avalia.Em 2006, Jandira Feghali que concorria a uma vaga pelo PC do B ao Senado também foi alvo de uma campanha contrária, organizada por religiosos que condenavam seu empenho em favor do aborto. "Diante de tanta pressão, é natural que candidatos procurem não se manifestar de forma clara sobre o assunto. Mesmo o presidente Lula, quando concorria à reeleição em 2006, dizia-se contrário à interrupção. É um vespeiro, que muitos preferem não mexer, pelo menos durante a disputa."

 

 

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