Resposta do governo em Mariana foi insuficiente, diz ONU

Informe produzido pela Organização das Nações Unidas revela que o Brasil não está preparado para lidar com desastres ambientais

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Por Jamil Chade e Leonardo Augusto
Atualização:

GENEBRA – A resposta das autoridades brasileiras e da Samarco não foi suficiente para lidar com o desastre do rompimento da barragem de Mariana, em 2015, e o governo federal tem uma capacidade "limitada" para garantir a segurança nas demais barragens do País. 

Essa é a conclusão de um informe produzido pelo Grupo de Trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos Humanos e Empresas Multinacionais e que visitou o Brasil em dezembro do ano passado para avaliar o impacto do desastre e a resposta do governo e de empresas. O documento será apresentado aos países no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ainda neste mês. 

Lama da barragem da Samarco contaminou o Rio Doce Foto: Gabriela Biló/Estadão

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O informe revela que o Brasil não está preparado para lidar com tais incidentes e que projetos no Senado vão no sentido contrário ao que seria desejável, reduzindo o número de controles para licitações de obras de infraestrutura.

O grupo de trabalho visitou o Estado de Minas Gerais depois do desastre do dia 5 de novembro de 2015 e se reuniu com autoridades, empresários, sociedade civil e grupos de vítimas. Segundo a avaliação, 3,2 milhões de pessoas tiveram suas vidas afetadas. "O barro viajou mais de 600 quilômetros ao oceano, matando peixes, fauna e flora e causando uma crise ambiental e social importante que afetou o acesso à água para a população, inclusive para a comunidade indígena de Krenak e milhares de pescadores", constatou a ONU. 

"Dada a dimensão do desastre, o Grupo de Trabalho considera que o governo federal e estadual poderiam ter feito mais depois do ocorrido", indicou a ONU. "Ainda que o gabinete da presidente (Dilma Rousseff) tenha informado o Grupo de Trabalho sobre os esforços que têm feito, membros de comunidades afetadas indicaram a necessidade das autoridades federais e estaduais de dar mais informação sobre o processo de reacentamento e compensações", constatou o documento da ONU. 

A entidade lembra que "ainda que a Samarco seja responsável por reparar o dano causado, o governo federal continua sendo o principal responsável por respeitas os direitos humanos das comunidades afetadas".

Em março deste ano, a Samarco e as autoridades brasileiras chegaram a um acordo sobre as compensações. Mas a ONU alerta para a importância de se realizar uma "avaliação completa do nível de danos" e que seja garantida uma "compensação adequada para cada pessoa afetada, com base em uma consulta completa com cada um afetado". O grupo de trabalho ainda fez questão de apontar que "nenhum acordo financeiro pode trazer de volta aqueles que perderam suas vidas ou compensar completamente pelo sofrimento gerado".

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Limitado. A entidade ainda cobrou o Brasil no que se refere ao controle de barragens e se disse "preocupada"."O Grupo de trabalho está preocupado que, com o grande número de barragens e locais de mineração em Minas Gerais e no Brasil, exista uma capacidade limitada do Estados e do governo federal para conduzir inspeções de segurança para garantir que essa tragédia jamais volte a ocorrer", apontou. 

"Ainda que a causa exata do colapso ainda não seja conhecida, tais eventos não devem jamais voltar a ocorrer", disse. "O incidente reforça a importância de regras de licenciamento estritas, monitoramento e planos de contingência." 

Vítimas. Segundo a ONU, encontros com os executivos da Samarco, da Vale e da BHP Billiton foram realizados. Mas apontou que "comunidades afetadas estão preocupadas sobre o apoio recebido para reconstruir suas vidas e preocupadas sobre os riscos para a saúde do rio contaminado". 

"As pessoas não confiam na informação dada pela Samarco, incluindo as garantias sobre material tóxico e que a água é segura", disse. "Eles estão também preocupados de que outras barragens podem colapsar. O Grupo de Trabalho nota que levou quase duas semanas para que a Samarco anunciasse que outras duas estruturas não eram seguras e que houve um fracasso do plano de contingência da empresa, já que as pessoas não foram alertadas sobre o desastre, apesar das dez horas de intervalo entre a ruptura e o incidente em Barra Longa. Avisos teriam permitido que as pessoas salvassem seus pertences e vidas", constatou a ONU. 

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A entidade pede que a Samarco seja transparente e que informações sejam repassadas à população. Segundo a ONU, a empresa precisa "criar um ambiente em que as pessoas, inclusive funcionários, possam expressar suas preocupações sem o temor de uma represália". 

Mineração. Para a ONU, porém, o problema enfrentado pelo Brasil vai além de Mariana e suas vítimas. Na avaliação dos especialistas, projetos debatido no País estão indo na "direção oposta" ao que se recomendou logo depois do desastre. 

"O grupo de trabalho notou com preocupação desenvolvimento que parecem ir na direção oposta", indicou. Os especialistas estão preocupados em especial com um projeto de lei já aprovado em um comitê do Senado acelerando os processos de licenciamento de áreas de exploração. 

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As etapas de um processo seriam reduzidas de três para uma, "tornando mais simples e mais rápida a obtenção de licenças para obras de infraestrutura consideradas como sendo de interesse estratégico nacional". 

A ONU também criticou emendas ao Código de Mineração que eliminariam algumas das proteções ambientas relacionadas com exploração de algumas áreas e dando às empresas o direito de ter acesso a fontes de água de forma prioritária, sem sua proteção para o consumo humano. 

A entidade ainda critiou a "falta de transparência do BNDES" ao lidar com avaliações ambientais de projetos de infraestrutura. "O Grupo de Trabalho espera mais transparência no que se refere aos impactos ambientais, sociais e de direitos humanos." 

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas afirmou ter “tomado todas as medidas cabíveis”. Conforme a Samarco, após a "visita, em dezembro de 2015, novas ações foram e continuam sendo implementadas, visando a reparar os danos causados pelo acidente".