Réu atentou contra a vida, afirma promotor

Entidades temem que ordem de prisão por transmissão de HIV aumente preconceito contra portadores do vírus

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Por Fabiane Leite
Atualização:

Quando denunciou o motorista J., em 2003, por tentar matar a amante ao transmitir o vírus HIV, o promotor Sérgio de Assis destacou que o acusado tinha confessado o crime e usado de meio insidioso (cruel, traiçoeiro) para praticá-lo. "Sabendo ser portador do vírus (...), ele manteve várias relações sexuais com ela sem a devida proteção, não a informando a doença (...)", escreveu Assis na ocasião. J. confirma que não contou a M., a vítima, sobre sua situação, mas afirma que fez isso por estar apaixonado. Ele e a amante discutiram na Justiça sobre quem teria se recusado a usar preservativo. M. disse que J. se negava. O motorista rebateu, afirmando que foi ela quem nunca quis manter relações com camisinha. Segundo Assis, o caso na prática está encerrado. Até porque a informação de que a vítima ainda mantém o relacionamento com o motorista e teria se arrependido da acusação não pode mudar o quadro: a ação penal independe da vontade da vítima. J. foi condenado pelo júri popular em 2004. Recorreu, mas a decisão foi mantida este ano pelo Tribunal de Justiça. "A autoria imputada ao apelante também ficou demonstrada, pois ele próprio admitiu ter mantido com a vítima relacionamento amoroso, inclusive sexual, (...) e para ela não ter contado ser portador do HIV, circunstância que era do conhecimento da esposa dele, tanto que com ele usava preservativo", anotou o relator da apelação do motorista no TJ, desembargador Mário Ferraz. "Minha visão é de que todo ataque à vida deve ser responsabilizado. É o mesmo caso do aborto. O meu ponto de vista é o legal. Tem de haver responsabilização, porque transmitir o HIV é um meio de se atingir a morte", afirma Assis. PERIGO A notícia de que a Justiça determinou a prisão de J. foi considerada "perigosa" por advogados que assessoram organizações não-governamentais dedicadas à defesa dos direitos de portadores do HIV. Eles temem que a medida "ressuscite" argumentos considerados prejudiciais ao combate à epidemia de aids, como o de que os soropositivos seriam culpados ou vítimas, além de dar origem a uma "caça às bruxas" para identificar os responsáveis por contaminações. "Na verdade, as duas partes de uma relacionamento têm sua responsabilidade", afirma o advogado Claudio Pereira, do comitê político do Fórum de Organizações Não-Governamentais de Aids do Estado de São Paulo. Pereira diz que é muito difícil provar, entre adultos, que uma determinada pessoa transmitiu o vírus a outra. "Não há como garantir", afirma. "Deixar firmar uma jurisprudência sobre isso é muito sério." Américo Nunes, presidente do Fórum de ONGs Aids, concorda. Para ele, a decisão da Justiça no caso de J. poderá abrir espaço para mais preconceito contra portadores do HIV.

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