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Táticas agressivas fazem Uber sair de cidades da Alemanha

Empresa foi forçada a se retirar de Frankfurt, Hamburgo e Dusseldorf pela mistura de questões culturais e erros legais

Por Mark Scott
Atualização:

FRANKFURT - O Uber está rapidamente expandindo suas operações por todo o mundo. Mas aqui, em Frankfurt, cidade de 690 mil habitantes - menos do que a população de San Francisco, nos Estados Unidos, onde o Uber nasceu - a empresa recentemente fez algo incomum: foi embora.

No começo de novembro, o Uber fechou seu pequeno escritório no secular centro da cidade após apenas 18 meses de operação, desativando a plataforma online que permitia que as pessoas pedissem transporte por meio de um aplicativo no celular. O recuo foi estimulado em parte por motoristas como Hasan Kurt, dono de um negócio licenciado de táxis locais, que se recusou a trabalhar com o serviço americano.

Uber afirma que pode aumentar em milhares o número de empregos na Alemanha se puder operar livremente, apesar de ter se negado a dizer quantos motoristas estão ativos Foto: Robert Galbraith/Reuters

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Com mais de 20 anos de experiência como motorista de táxi, Kurt diz que não gostou da maneira como o Uber forçou sua entrada em Frankfurt no início de 2014, usando a princípio motoristas não licenciados, que não passaram pelos mesmos exames exigidos dos taxistas com licenças. O serviço de baixo custo, UberPop, similar ao UberX americano, sofreu processos e finalmente foi considerado ilegal pelos legisladores alemães em março de 2015.

Então, o Uber tentou recrutar taxistas com licenças, como Kurt, para montar um serviço dentro da lei. Mas Kurt não cedeu.

"Não faz parte da cultura alemã fazer algo como o que o Uber fez", afirmou Kurt, de 45 anos, tomando um chá em dezembro durante um intervalo do seu concorrido calendário dos feriados. "Nós, o governo e nossos clientes não gostamos disso."

A saída do Uber de Frankfurt é apenas um dos recuos da empresa - hoje avaliada em US$ 62,5 bilhões - em toda a Europa nos últimos meses.

Em novembro, o Uber também saiu de Hamburgo e de Dusseldorf depois de menos de dois anos operando nessas cidades alemãs. Em Amsterdã, recentemente parou de oferecer o UberPop.

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E, em outras cidades europeias, o Uber precisa encarar a perspectiva de ficar acuado - ou pelo menos ser contido. Em Paris e Madri, tem sido frequentemente confrontado pela oposição violenta de motoristas de táxis, enquanto em Londres, legisladores locais estão pensando em mudanças que podem dificultar significativamente as ambições da empresa por lá.

Frankfurt oferece um estudo de caso do que faz com que o Uber precise se retirar de um local mesmo enquanto se expande em outros.

Com um centro financeiro próspero e uma população cosmopolita, a cidade parecia um lugar ideal para o serviço se estabelecer e crescer. Mas a empresa foi forçada a se retirar por causa de uma mistura de questões culturais e erros legais. Especificamente, ela não calculou bem como conseguir apoio de clientes céticos, que não estavam acostumados com suas táticas de ganhar a qualquer custo, e subestimou os obstáculos da legislação de negócios na maior economia da Europa.

"Se você quer fazer sucesso na Alemanha, tem que entender as leis. O Uber deveria ter levado isso mais a sério", diz Martin Fassnacht, professor da Escola de Administração Otto Beisheim, de Vallendar, na Alemanha.

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O Uber não saiu completamente da Alemanha. Ainda opera serviços licenciados em Berlim e Munique, e executivos da empresa dizem que há uma demanda reprimida de passageiros frustrados com os atuais serviços de táxi.

A empresa afirma que pode aumentar em milhares o número de empregos na Alemanha se puder operar livremente, apesar de um porta-voz ter se negado a dizer quantos motoristas alemães estão ativos em sua plataforma.

O Uber também pediu para a Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia, para intervir, e espera-se que uma investigação oficial da proibição alemã ao UberPop - junto com regras parecidas na França e na Espanha - sejam concluídas este ano.

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"Cometemos erros? Certamente. Porém, o sistema atual da Alemanha protege artificialmente concessionários que pensam que têm o direito total sobre o mercado", afirma Mark MacGann, chefe de leis europeias do Uber.

Para entender por que o Uber se expandiu para Frankfurt em maio de 2014, é preciso apenas visitar a movimentada estação principal de trens da cidade. Ali, multidões de passageiros se movem em direção aos vários bancos e ao distrito de compras central da cidade.

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E, como em muitas cidades alemãs, o número de táxis licenciados em Frankfurt é limitado, com apenas pouco mais de 1.700 carros, o que significa que, em horários de pico, há frequentemente mais demanda do que táxis disponíveis.

Depois que o Uber chegou, motoristas sem licença do UberPop rapidamente começaram a aparecer perto da entrada principal da estação, atraindo passageiros com taxas que deixavam as corridas um terço mais baratas do que as dos operadores licenciados da cidade, de acordo com o sindicato de taxistas de Frankfurt.

Esses preços rapidamente fizeram surgir uma oposição. Thomas Gratz, chefe da Associação de Táxis e Carros de Aluguel, um grupo comercial alemão, diz que os motoristas não licenciados do Uber não tiveram que passar pelos menos exames exaustivos e pagar os mesmos custos, como o seguro dos motoristas profissionais exigido dos operadores tradicionais de táxis da cidade. O Uber afirma que seus motoristas passavam por aprovações e tinham seguros apropriados.

Confrontados com um número crescente de competidores do UberPop, o Taxi Deutschland, outra associação de comércio alemã, entrou com um processo contra o Uber em meados de 2014, afirmando que os motoristas da empresa não tinham licenças próprias para operar no país. Essa ação levou a uma longa odisseia no tribunal de decisões e recursos.

À medida que a tensão legal aumentava, a pequena equipe do Uber em Frankfurt tentava angariar o interesse dos locais, sendo que muitos deles nunca haviam pedido um táxi pelo celular ou usado um cartão de crédito para pagar as corridas. Ao contrário dos Estados Unidos e de outros países europeus, a Alemanha ainda tem um nível baixo de uso de cartões de crédito, de acordo com estatísticas da indústria.

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Para mudar esses hábitos, o Uber começou a oferecer corridas gratuitas e outros incentivos para novos clientes. Isso ajudou a atrair pessoas como Dan Miner, pesquisador americano de 32 anos que mora em Frankfurt e se inscreveu no serviço depois de ouvir amigos falando sobre ele em Nova York. Para Miner, chamar um táxi por meio de um aplicativo do celular, principalmente tarde da noite, era muito mais fácil do que pegar um carro licenciado na rua que cobrasse por extras como usar o porta-malas.

"E, mais importante do que qualquer coisa, o Uber era mais barato", afirma ele.

Essa estratégia durou pouco. Em março de 2015, um juiz de Frankfurt estabeleceu que todos os motoristas do Uber precisavam ter permissão oficial para trabalhar. Apesar da decisão, o serviço continuou a operar com preços baixos - por um tempo. Em maio, a empresa fechou o UberPop em todo o país para oferecer apenas serviços licenciados. (A empresa também oferecia um serviço de chofer de luxo em Frankfurt desde o começo de 2014.)

Foi nesse momento que o afastamento de operadores de táxi como Kurt acabaram com o Uber. Como a empresa já havia se antagonizado com os motoristas locais por priorizar o serviço de preços baixos, não conseguiu persuadir taxistas licenciados em número suficiente para trabalhar para ela, mesmo depois de oferecer pagamento por suas licenças e ajuda com outros custos legais que chegavam até a US$ 400 para novos motoristas, de acordo com vários grupos de taxistas locais e legisladores.

As táticas agressivas do Uber também afastaram clientes em potencial como Andreas Mueller, analista financeiro que testou o serviço em Frankfurt depois de usar o Uber em uma viagem de negócios para Chicago. Mueller diz que gostou da conveniência de pagar por meio do celular, mas que ficou contra a empresa depois de ler que ela havia continuado a operar, violando ordens do tribunal, e que não contratava diretamente seus motoristas, que são independentes.

"Isso pode funcionar nos Estados Unidos, mas não é como fazemos as coisas na Alemanha. Todo mundo precisa respeitar as leis", explica Mueller, de 37 anos. /THE NEW YORK TIMES