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Beltrame critica falta de apoio ao projeto das UPPs

Ele disse que deixa a secretaria 'clamando no deserto' para que o poder público leve políticas sociais às favelas que receberam as unidades

Por Constança Rezende
Atualização:
Beltrame participou de cerimônia com crianças nesta quinta Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO

RIO - A poucos dias de deixar o cargo, o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, criticou nesta quinta-feira, 13, a falta de apoio oficial ao projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Em uma cerimônia com crianças, ele disse que deixa o posto "clamando no deserto" para que o poder público leve políticas sociais às favelas que receberam o projeto - são 38, todas comunidades carentes de serviços públicos e políticas sociais.Beltrame sempre disse que só a força policial não resolveria o problema crônico da violência do Rio. No próximo dia 17, passará a secretaria ao também delegado federal Roberto Sá, atual subsecretário de Planejamento e Integração Operacional.

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"A paz não passa unicamente por força. Existe todo um leque de coisas que, durante dez anos, a gente clamou no deserto por isso (sic). Estou saindo clamando (por) isso que, na verdade, não foi feito ou mostraram incapacidade de fazê-lo. Pedi várias vezes a governadores, secretários, ministro da Justiça. Mas sempre tem um problema financeiro, sempre tem alguma coisa. Cheguei até a propor uma UPP modelo na Vila Kelson's. Eu garanto que, se tem ordem, habitação, o crime vai embora. Não façam da UPP uma panaceia. Não tem jogo ganho", disse o secretário, que pediu demissão na segunda ao governador em exercício, Francisco Dornelles (PP).

A cerimônia escolhida para a despedida de Beltrame foi simbólica. Foi uma festa com crianças de cinco UPPs de áreas consideradas críticas, na Providência, São Carlos, Barreira do Vasco, Santa Marta e Rocinha. A festa para comemorar o Dia das Crianças, um dia depois da data oficial, porém, foi promovida bem longe dessas comunidades, no Parque do Flamengo, na zona sul do Rio. O motivo foi o clima de insegurança nas localidades por causa da ação de criminosos que, pelo projeto original das UPPs, não deveriam estar mais lá.

O comentário de uma menina de cerca de dez anos, moradora do Morro da Providência, ao saber que chegaria uma van com crianças do Morro do São Carlos, mostrou um pouco do clima tenso vivido pelas comunidades. Insatisfeita com a visita de meninos e meninas "rivais", ela prometeu: "Vou bater em todos eles". Os morros são dominados por facções que disputam à bala o domínio territorial e o tráfico de drogas. Um dos policiais que coordenavam o passeio disse que é comum que as crianças sejam condicionadas a agir assim, não aceitando moradores de localidades onde o crime é comandado por uma quadrilha "inimiga". O agente também disse que é comum crianças dessas comunidades dizerem aos policiais que viram armas iguais às deles com criminosos do local. 

Futuro. O secretário também mostrou preocupação com o futuro das UPPs em um Estado quebrado financeiramente. "A UPP desafiou o poder público, na medida em que veio e disse assim: "Olha, vocês têm de fazer isso aqui. Essas pessoas precisam de outras coisas. Há necessidade de trazer ordem e cidadania. É uma ilusão achar que a polícia sozinha vai trazer a paz. Isso, em qualquer lugar do mundo, é impossível de se pensar. A grande verdade é essa. Eu fico preocupado porque vejo esse discurso começar a voltar à velha retórica de que "eu queria fazer o esgoto, mas achei um (traficante) com fuzil, queria fazer uma estradinha, mas vi homens armados", disse.

Segundo Beltrame, hoje "a polícia está sozinha". "Nós entramos todos em um barco, e a polícia remou muito, hoje está lá sozinha. Foi o que eu já disse, a UPP é uma anestesia num paciente que precisava de uma grande cirurgia. A questão é que essa cirurgia foi feita incompleta ou não foi feita, e a anestesia está passando. Tem que dar outra anestesia. Mostramos que temos capacidade de pedir ajuda a forças amigas, como a (Polícia) Federal, e dar outra anestesia. Mas acho que não convém fazer isso se a cura não vai acontecer. A cura deve vir do Poder Executivo, Judiciário, Legislativo e sociedade organizada", declarou.

O secretário criticou o fato de, em muitas comunidades pobres, o único representante do Estado ser a polícia. "Muitas vezes, você patrulha uma avenida com cinco, seis viaturas e bota 700 homens dentro da Rocinha, e eles desaparecem por causa da total desordem pública, e o crime precisa disso", afirmou. "O que a UPP fez foi gerar uma possibilidade, unir todas as intuições para arrumar uma situação que o próprio Estado foi permissível há 40 anos atrás. A verdade é uma só: o poder público, seja municipal, estadual ou federal, não têm condições de atender à população e isso tem impacto da segurança pública", completou.

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Beltrame disse que o novo secretário, Roberto Sá, tem como maior desafio manter o planejamento das UPPs até 2018. "Ele deve continuar nessa linha. Vejo pessoas botando culpa na polícia, (críticas) que podem tirar foco das coisas que não foram feitas. A UPP é uma luta que não termina, que todo dia tem que contabilizar sempre um dia de vitória. Com todos os problemas que a polícia possa ter, ao longo desse tempo a gente poupou em torno de 20 mil vidas. Para quem focou num bem maior como a vida, essa é uma resposta boa", afirmou.

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